Ser meticuloso e perfeccionista é um fardo. Tudo que se faz segue a ordem e o propósito de ser, ao final, o mais próximo possível da perfeição, senão a própria perfeição. Com frequência, é esquecido um pequeno detalhe: as pessoas são diferentes umas das outras, o que dificulta em muito a concretização desse ideal.
E foi de uma forma meticulosa e perfeccionista que me lancei à tarefa de planejar algo de diferente para celebrar quinze anos de casamento, mas que agradasse sob todos os aspectos, dos mínimos detalhes ao resultado geral. Como conhecia bem minha cara-metade, a ocasião precisava ser uma cuidadosa integração entre o tradicional e o novo. Em suma, perfeita.
Comecei pelas flores. Desde que a conhecera, procurava presenteá-la com orquídeas em cada data importante. Antes de ser apresentado a seu avô, ele me chamava de “moço das orquídeas”. Fazia parte da nossa tradição. A novidade sempre corria por conta de algo que acompanhava as flores e pelo cartão, que começava a ser escrito com uns dez dias de antecedência até chegar à forma final. Poucas linhas para dizer tudo sem ser meloso, mas garantindo que o recado seria dado. Naquela vez, deixei ordens expressas na floricultura para que o arranjo chegasse depois que eu tivesse partido para o trabalho e antes que ela saísse para levar as meninas a algum lugar, isto é, lá pelas nove da manhã.
Não vou negar que sempre gostei desses planejamentos e sabia que ela também gostava. Era uma maneira de demonstrar o quanto eu era feliz. Não estou falando de despesas, mas da preocupação em fazê-la feliz durante todo aquele dia.
Tinha decidido que haveria dois presentes. O primeiro seria criativo. Algo com a cara dela, mas que ela nunca imaginasse ganhar. Tarefa trabalhosa, mas a qual eu me dediquei com prazer. Deixei o mimo sobre a mesa do café e saí cedo. Queria que ela me telefonasse para agradecer. Era uma das melhores partes.
Durante o dia, recebi também alguns agrados dela. Era uma preparação para o presente que receberia à noite. De propósito, brincamos de gato e rato, fugindo das ligações ou telefonando em momentos em que sabíamos que o outro não poderia atender. Trocávamos recados sobre a hora em que sairíamos mais tarde, sobre quando ela estaria pronta, sem mencionar o local escolhido para a comemoração. A surpresa era um ingrediente do qual ela sempre gostou mais que eu, mas entrei na brincadeira desde nossos primeiros tempos, quando os presentes eram apenas trocas de carinhos e o jantar acontecia em casa. Eu ficava nervoso na hora de escolher o lugar, mas sempre acertava onde ela gostaria de ir. A preocupação em variar e acertar tornava tudo mais tenso, mas ver seu sorriso ou mesmo uma discreta lágrima no canto dos olhos era uma recompensa e tanto para mim.
Desde pequenas, as meninas participavam ativamente dos preparativos, provocavam os dois, dizendo saber os presentes, ou tentavam descobrir o que era. A cumplicidade entre pais e filhas sempre esteve presente na nossa casa. À medida que a noite se aproximava, a ansiedade aumentava. Ela tentava saber aonde iríamos sob o pretexto de escolher a roupa adequada e dar instruções à empregada. Vã ilusão achar que eu daria esse mole por motivos tão banais.
Naquela ocasião, cheguei em casa mais cedo, entreguei outro cartão, com uma mensagem mais longa do que a primeira e também mais bem-humorada. Era uma forma de aliviar a tensão e garantir que tudo correria dentro da mais absoluta perfeição – olha ela aí de novo. Também recebi um presente para despistar, algo simples e engraçado.
As meninas queriam saber quando eu entregaria o presente para a mãe e estavam a ponto de revelar o que eu ganharia quando, de repente, ela entrou no quarto e fez cara feia. Emudecemos depressa. O que se seguiu foi uma explosão de gargalhadas. Finalmente revelei onde seria o jantar e sua cara de felicidade foi grande. Ela saiu para se arrumar enquanto eu fazia um pouco mais de bagunça com as filhas.
Mais uma vez ela estava linda quando chegamos ao restaurante. Tinha uma beleza discreta que despontava na forma de andar, no modo de sorrir, em seu charme. Sabia se vestir como poucas e, naquela noite quente, quase de verão em São Paulo, ela escolheu um vestido simples e muito elegante, que combinava tão bem com aquela falsa magreza que eu amava, um modelo sem mangas, de corte retos, que valorizava ainda mais seus movimentos. Eu era completamente apaixonado.
Mesa reservada no canto, longe das luzes diretas e perto de uma janela de onde se via o pouco movimento da rua. Lugar ideal para um jantar tranquilo, para uma conversa agradável onde não valia falar de trabalho, empregada, crianças e família. Naquela noite, naqueles instantes, voltávamos a ser um casal de namorados. No fundo, não importavam os presentes que trocamos na hora da sobremesa e sim o tempo que cada um havia dedicado ao outro, a buscar aquilo que mais agradaria, a escrever as mensagens mais apaixonadas. Ela sempre conseguia me arrancar lágrimas com cartões maravilhosos.
Lembro-me desses momentos com imenso carinho por ela e pelo que vivemos de bom. Depois de todo o estresse gostoso – tenho de admitir — eu me sentia bem. Sempre gostei dessas maratonas de agrados e, mesmo sendo diferentes um do outro, aquela noite só poderia ser descrita como “perfeita”.
O que mais me admiro (de mim mesma) é que sendo muito impaciente para textos longos, com tantos detalhes e quando leio seus textos não consigo cair na tentação de pular e ir direto para o final (rs), em cada parágrafo há algo interessente para ler. Parabéns.
A frase “Eu era completamente apaixonado” poderia ser totalmente dispensada (rs). O teu comportamento não é de homem que ama e sim de homem apaixonado.
Abraços Raquel
Raquel, você tocou num dos pontos mais importantes dos textos. Minha amiga,mentora e editora, Livia Almeida, tenta reduzi-los, mas as vezes não consegue. Importante é que você gostou. Quanto a ser apaixonado pela minha ex-mulher ainda é algo também muito complicado, rsrsrsrs, mas vou colocando tudo para fora.