A rima não é a solução

Os seres humanos sempre buscaram formas de identificar seus pares. Organizaram-se em tribos, o que foi fundamental para a evolução individual e da sociedade. Porém, se dermos um salto imenso de milhares de anos, o que vemos nos dias de hoje é que não somos mais apenas identificados, mas constantemente rotulados.
De uma forma preconceituosa e segregacionista, existe pouca ou nenhuma liberdade para se transitar entre crenças, ideologias, classes sociais, gostos e prazeres nos dias de hoje, em qualquer lugar do mundo. Os conjuntos são isolados. Não há interseções, não há inclusive a possibilidade do erro, da revisão, do recomeço. Pode ser um exagero meu. Ocorre-me que talvez os países nórdicos pudessem ser considerados como totalmente “livres”. Até berços de liberdade de expressão estão se tornando xenófobos, intransigentes e violentos nas manifestações, como França e Inglaterra, principalmente quando se trata de imigrantes.
Não falo de moda, segue quem quer e tem dinheiro para isso. Não falo de música, escuta-se o que se quiser. Não falo dessas tribos comportamentais que existem desde que o mundo é mundo.
Refiro-me à intransigência, à intolerância, à falta de capacidade de escutar o próximo e aceitá-lo como é.
Ao darmos um zoom no Brasil, também é possível testemunhar esse funil de comportamento, que incomoda, assusta e até põe em risco algumas das conquistas dos últimos anos.
Por aqui, ultimamente, não é possível fazer críticas ao governo. Na mesma hora, você é tachado de ser contra o povo, chamado de neoliberal como se isso fosse um xingamento, de ser a favor de privatizar tudo, ou ainda é considerado um “coxinha” ou “mauricinho”. Por partes: posso criticar e vou criticar o governo cada vez que achar fez algo errado. É meu direito; para me chamar de neoliberal, conservador, anarquista ou qualquer outra coisa, discutam política comigo e não me rotulem. Tenham argumentos; se sou a favor de privatizar muita coisa — e sou mesmo – defendo minhas posições com argumentos econômicos, sociais e políticos. Finalmente, se penso assim ou assado, se me visto cozido ou frito, problema meu! Por que tenho que ser e pensar o que não quero ou não acredito para ser aceito?

A liberdade de pensamento não admite o preconceito, a discriminação e a perseguição. Isso é crime. Pensar não é nem nunca foi crime, mesmo quando se pensa de uma forma diferente da maioria.
As manifestações pelo país afora criaram estereótipos de críticos que na maioria das vezes não têm noção do que efetivamente se deve fazer para mudar o que pode estar errado no país. Muitos dos que pedem mudanças se beneficiam de algo que contraria seu pleito, não lembram em quem votaram e imaginam que protestar é ir à rua quando todos vão.
O país está muito dividido entre o politicamente correto, que é chato demais, e os radicais, que acreditam que quebrar tudo pode trazer alguma melhoria.
Deve existir espaço para o meio-termo. É preciso ter paciência para o diálogo e a convivência com os diferentes, de todos os matizes, e principalmente ter coragem de levantar a voz para defender o que acredita estar certo, e não se calar porque há uma ditadura onde não ser de esquerda é ruim, errado e burro.
Chega de frases feitas e de slogans da década de 1960. Os tempos mudaram, as pessoas precisam pensar que o emprego é disputado no mundo, que os recursos estão mais escassos economicamente e ambientalmente, que se fechar e ser xenófobo é fechar os olhos para o que pode ser feito em parceria. A soberania nacional é pensar livremente e não acreditar que uma empresa x de um país y não possa ser dona de concessão de aeroportos, de estradas e de outros serviços.
As pessoas são livres para escolher ideologia, crença e opção sexual, entre outras coisas. Podem e devem misturar tudo isso e mudar de ideia quando acharem conveniente. Só assim cumpriremos o potencial de ser um país criado a partir de uma rica diversidade e que ainda tem espaço para mais.