Ao longo dos últimos quarenta anos, os índices de inflação forneceram material para as principais notícias apresentadas a cada semana pelos cadernos de economia dos nossos jornais. O país desenvolveu técnicas e capacitou pessoas a calcularem essas medidas, o que levou quem trabalha em economia a se tornar também um pouco expert, se é que é possível isso, nesse assunto.
A partir do momento em que houve a percepção de que o governo gastaria menos, de que haveria a desindexação da economia, e de que a tal “correção monetária” seria banida, passamos a nos preocupar com a produção. Isso é economia; a inflação é um fenômeno econômico, e como tal, não deve ser perene.
O trauma da inflação só será “curado” quando a geração que nascerá nos próximos cinco anos chegar ao mercado de trabalho sem ver este fenômeno se tornar constante de novo.
Períodos com elevações de preços por problemas naturais, por choques de demanda ou falta de oferta, são compreendidos e devem ser observados para poderem ser minimizados no futuro, com a ajuda de planejamento.
No entanto, o descuido nas políticas macroeconômicas ou a falta de responsabilidade nos gastos por parte do governo, ou pior, a combinação desses dois componentes, trazem a incerteza e a retomada de mecanismos preventivos de desvalorização da moeda, sob a forma de reajuste de preços.
A metodologia dos índices de inflação, amplamente dominada pelo governo, é claro, pode servir, de maneira perniciosa para manter a falsa impressão de que tudo corre conforme suas previsões otimistas.
O atual governo distorce de maneira perene e com alguma dose de cinismo o Sistema de Metas de Inflação. De acordo com determinação do Conselho Monetário Nacional, a meta há mais de sete anos é de 4,5% aa, o que por si só já está equivocado: este índice deveria ser reduzido ou não a cada três anos, pelo menos. Contudo, partindo dessa premissa de centro e tolerância de 2pp para cima ou para baixo, observa-se a leniência deste governo em relação à inflação. Apropriou-se dessa margem para afirmar que está com a inflação sob controle, quando estamos prestes a entrar no “cheque especial” do Sistema de Metas pelo quarto ano consecutivo.
Durante o ano de 2012 observaram-se choques de oferta e elevação de preços de commodities do setor de alimentos que influenciaram a inflação do período. No entanto, o governo insistiu em uma política agressiva de redução da taxa básica de juros, manteve gastos elevados e incentivou o consumo. Um coquetel e tanto!
Os indices de inflação no segundo semestre de 2012 começaram a demonstrar uma resistência em abaixar à medida que os agentes econômicos entenderam e observaram que o governo jogava um pouco mais de gasolina na fogueira. No final do ano, com as despesas governamentais em forte alta, a atividade econômica no setor industrial em baixa, e uma redução na arrecadação em função das primeiras desonerações em alguns importantes setores da economia, o governo procedeu algumas manobras “criativas” para obter um superávit primário um pouco melhor.
O resultado foi um aumento muito grande da desconfiança, fator importante para reajuste de preços preventivos por parte do setor privado. Com as projeções de inflação para 2013 em mãos, o governo se viu em uma situação perigosa em função de suas pretensões políticas de mais quatro anos no poder. E aí que se encontra a origem do medo que paira no ar.
Postergaram-se reajustes nos transportes públicos das duas maiores cidades do país, pois os prefeitos de Rio de Janeiro e São Paulo foram eleitos com ajuda do governo federal, porém é inevitável que venham acontecer reajustes em 2014, mesmo com desonerações para as empresas do setor.
A desastrosa intervenção do Banco Central em 2012 elevando o dólar para melhorar as exportações e “proteger” a indústria nacional contra o “tsunami monetário” do ministro Mantega, mais uma vez colocou gasolina na fogueira e vimos o real se desvalorizar em 2013 até chegar a R$2,40 por dólar, obrigando o BC a impor um programa de “ração” de dólares para o mercado enquanto reza para que o FED ainda persista com sua política de incentivos ao mercado. Esse é e será mais um fator a atrapalhar a luta contra a inflação, mesmo com as elevações constantes da taxa de juros desde abril deste ano.
Após muitos estudos o governo junto com outras entidades privadas (FGV e FIPE) chegou à conclusão de que desonerações podem retirar até 0,8 pp da inflação em 2013, e assim o conta-gotas desta medida, que poderia ser real e eficaz, atuará pontualmente para reduzir as taxas futuras, mas sempre atuando na consequência e não na causa.
O desconto na conta de energia elétrica em 2013 será contrabalançado pela necessidade de reajuste dos combustíveis, pois a Petrobrás já deu sua cota de sacrifício e está com seu caixa de curto e longo prazo à mingua. Agora é a vez da Eletrobrás.
Observa-se então que haverá uma herança mais do que maldita para o próximo presidente, seja de qual partido for, pois essas manobras não passam despercebidas pelos analistas internacionais que já começaram a elevar os preços cobrados a empresas brasileiras e ao governo federal nas emissões de dívida. Pode haver inclusive recusas e redução de crédito.
Enfim, essa política de malabarismos tem data de validade: outubro de 2014. Até lá, previnam-se, pois os tempos de manipulação de índices da década de 1970 estão volta!