O mergulho

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A depressão se constrói. Há quem seja capaz de detê-la, de obstruir o processo. Outros não se dão conta do que está se erguendo. De repente, veem-se naquele castelo escuro com labirintos. Respirar ainda é possível. Pensar, muitas vezes não é. Libertar-se é quase sempre é impossível.

O caminho de ida é indolor, inodoro e principalmente invisível; o retorno é longo. Procura-se com desespero por uma bússola qualquer. Ela não existe.

Internei-me voluntariamente numa clínica quando entendi que a depressão havia me levado a perder o sentido de diversas coisas e que eu não tinha mais noção do que poderia acontecer.

Entregar-se a terceiros por total incapacidade de ser alguém com iniciativa própria é um sentimento ao mesmo tempo intrigante e desgastante. Não saber mais sequer se tinha vontade de comer ou dormir, muito menos o que deveria fazer e a que horas, é desesperador, mas o pior é achar que essa situação pode durar para sempre. Será que ainda serei capaz de voltar a fazer alguma coisa segundo meu próprio desejo?

Os primeiros quinze dias se apagam da memória. (No começo, os remédios criam mais confusão do que a cabeça pode imaginar. “Depois melhora”, é o que os outros não param de dizer.) Faço força para recuperar essas lembranças, mas elas não existem.

A volta é longa.

Os dias se alternam entre rotineiros e tensos. Todos participam do dia-a-dia de cada internado. Como crianças, queremos saber tudo o que acontece ao redor.

A chamada recuperação, aquela mais importante que promove a saída da enorme crise, é relativamente rápida. Você se lança então em um novo redemoinho de sensações e pensamentos: o que estou fazendo aqui? Por que não consigo ainda raciocinar direito? Será que todos me veem também como um desses “desequilibrados” que estão aqui a meu lado?

A rotina rígida de uma clínica tem uma importância imensa, que dá ao tempo uma dimensão prática. Sabe-se a hora de acordar, de tomar remédios, de comer e dormir. Para quem está desorientado, é a primeira boia jogada.

Contudo, os questionamentos não calam dentro de cada um.

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Aos poucos, comecei a reconstituir meus passos. Como foi que cheguei àqueles momentos que ainda procurava entender.

Nunca soube lidar com derrotas e muito menos com fracassos.

Não lembro quando foi a primeira vez que me senti fracassado. A palavra é forte, mas não consigo encontrar outra. Não falo da nota baixa do colégio naquela prova que estudei pouco.

E a primeira derrota? Não foi aquele jogo que assisti no Maracanã, nem a decisão do campeonato de futebol de salão no colégio.

Algumas respostas para essas perguntas devem ter começado a preencher o copo da minha propensão à depressão.

Lidar com fracassos e derrotas deveria ser algo a ser ensinado pelos pais, pelas escolas, pelos amigos. Deveriam ser entendidos como fatos da vida, assim como as perdas de pessoas. Não sei qual seria a melhor maneira para tratar do assunto. Quem sabe todas juntas?

Fatos ruins, desagradáveis, traumáticos, e inesperados, queiramos ou não, fazem parte da vida. Fracassos e derrotas também, diriam psiquiatras e psicólogos. No entanto, a percepção individual varia, assim como as consequências.

Medos e recusas são reflexos de acontecimentos que muitas vezes não lembramos, mas são fatos do dia-a-dia.

Então como diferenciar abatimentos momentâneos e tristezas enormes de um processo depressivo real?

Não sei.

Eu vejo o acúmulo, a ininterrupta sucessão de fatos pouco analisados e mal digeridos, observados com menos sentimentos do que deveriam.

O preenchimento dos pensamentos por fatos não examinados previamente leva sempre a conclusões tardias e visões disformes.

Essas construções são a base do pensamento depressivo. Sei que fujo disso diariamente, mesmo em momentos aparentemente felizes.

Ninguém sabe se ela volta, como ou quando. É uma companheira que não parte, que na verdade nunca deixa que se esqueça do incômodo de sua proximidade.

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