Às vezes me canso de ter memória. Passo momentos de solidão com recordações boas — é um exercício que sempre faço. Mas o que eu chamaria hoje de “boas lembranças”? Sem dúvida, todas envolvem amigos. Existem outras de um tipo que classifico como tendo caráter “indeterminado”. Talvez sejam “não-lembranças”, momentos em que faltaram palavras, frases, perguntas, afirmações e negativas.
Arrastar o passado não me tornará capaz de revivê-lo, como dizia um de meus terapeutas. Ele está certo, mas não se trata exatamente de “arrastar”, mas de conviver com a presença do passado como se comparações fossem necessárias. Não gosto disso. Imagino-me sendo comparado com outro e a sensação é, sem dúvida ruim.
Penso que em certos momentos eu poderia ter tomado atitudes e feito gestos diferentes. A adolescência e a juventude são pródigas em ações muitas vezes precipitadas.
No filme Dormindo com o inimigo, há uma música cuja frase principal é: “there is time for loving and a time for letting go” (em tradução livre, há um tempo para se amar e um tempo para partir), eu poderia além de “loving”, usar uma boa quantidade de outros verbos.
Não me recuso a enfrentar o presente. Talvez sinta medo de planejar o futuro. Um dia de cada vez é o mote. Fazer acontecer, outro, e quando menos se espera as coisas se encaixam, o terceiro mais votado. São frases que devem ser traduzidas em atitudes.
A essa altura, também não consigo sentir mais nada do que sentia antes. A fonte do amor não seca, eu sei. Mas desconheço se a resposta seria amar de novo. Gostar exige uma entrega muito difícil para mim no momento, As vias devem ser sempre de mão-dupla e quando não tenho condições de me entregar, sem reciprocidade, não me parece haver sentimento. Tentar enganar a mim mesmo seria desperdício de energia.
De maneira racional, é o que penso. Mas como levar a vida sem dividir nada? Além de ser uma atitude egoísta, é algo doído e soberbo. Escondo-me nessa vontade de ser totalmente egocêntrico, mas sei que o pedaço que mais dói no meu coração é o fato de sempre ter me doado com prazer e satisfação.
Vale a pena amar nem que seja apenas para ter a chance de viver pequenos momentos como um sorriso espontâneo provocado por uma frase gostosa, ganhar um abraço por uma chegada inesperada, ter a mão procurada durante uma música ouvida em algum lugar. Vivi tais momentos (eu poderia dizer até várias vezes) e nada é mais caro mais do que essas lembranças. Mentira!
Ter a chance de viver tudo de novo faria valer cada segundo da vida, mesmo que eu soubesse que ela acabaria logo ali…
Vida que segue. Vida em que evito cada vez mais os contatos, ou melhor, evito viver, funcionando somente como alguma que coisa acorda, come e dorme. Qual seria o sentido disso? Nenhum, É a resposta que me dou de maneira consciente e racional. Esperar o final cansaria, pois nessa toada dá para ir até os 100 anos.
Esvaziar a mochila do passado, como diria George Clooney em Amor Sem Escalas, pode ser a solução. Minha dúvida é saber se o melhor é carregar nenhum peso ou apenas aquele que posso carregar.
Quanta frescura! Pareço uma adolescente batendo o pé porque a calça foi lavar e ela queria usar na balada! Não imaginei chegar aos mid 50s assim, como também não imaginei chegar tão longe nos 40s. Por que não consigo simplesmente me contentar com o que a vida me deu e desfrutá-la?
É outra resposta que eu não tenho. Para falar a verdade, nesse caso acho que sei. Não gosto de coisas que se resolvem “simplesmente”; sou mais de ter trabalho para tudo e também de me envolver e ajudar alguns a viverem melhor, modéstia a parte.
Se eu estivesse de bom humor, talvez pudesse parar por aqui. Mas daqui a quinze minutos viria uma nova melancolia. Rir não é remédio; é apenas uma fuga.
Sair por aí e me divertir sozinho é sempre uma opção. Sinto uma ponta de inveja dos casais, e nem sei se estão bem ou não. Aos meus olhos parecem ótimos!
Dormir, esperar mais um dia, e, quem sabe, ver se volto a cantar para alguém: “You take my breath away.”
“Vale a pena amar nem que seja apenas para ter a chance de viver pequenos momentos como um sorriso espontâneo provocado por uma frase gostosa” – creio muito nisso! Adorei o texto!
Obrigado Katya, espero que continue acompanhando os textos.
Lindo texto!
Muito obrigado. Tem outros do mesmo estilo, assim como diversos outros assuntos. O objetivo é realmente Tudo Sobre Tudo. Mais uma vez obrigado pelo elogio.