Sempre perto de mim

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 Cocoon II

Meu avô materno era uma pessoa alegre que gostava que sua linda casa estivesse sempre cheia de gente. Ia para a cozinha preparar temperos e, em uma época em que ninguém fazia churrasco em casa, ele dispunha de uma minúscula grelha. Preparava-se colocando um lenço amarrado nas quatro pontas na cabeça, para não chamuscar a careca e fazia a felicidade de todos com seus assados. Sempre senti profundamente a influência de sua presença.

Nonno adorava futebol e, junto com meu pai, me transformou no tricolor fanático que sou. Quando completei sete anos em 6 de junho de 1966 (6/6/66), data que rendia muitas brincadeiras dele, meu avô me deu de presente seu Título de Sócio Proprietário do Fluminense, de número 66. Para os numerologistas, deve haver algum significado.

Nas tardes quentes de verão, dava imensos banhos de mangueira em mim e no meu irmão. Ao voltar do trabalho, nunca esquecia de trazer uma barra de chocolate branco para meu irmão e ao leite para mim. Com ele aprendi a pescar no paredão da Urca e, às vezes, íamos na cabeceira da pista do aeroporto Santos Dumont. Comportava-se como uma criança na companhia dos netos.

Quando ele se foi, eu tinha dezesseis anos e experimentei a primeira perda real de minha vida. Doída, sentida, lamentada e nunca, nunca compreendida.

Anos depois, em 1985, fui ao cinema para assistir a Cocoon, sem ter ideia do enredo. Era uma comédia gostosa, com atores e atrizes perfeitos em seus papéis. A certa altura, os velhinhos que protagonizam o filme têm a oportunidade de ir embora para um planeta que promete uma vida prolongada, cheia de saúde. De decisão tomada, o avô chama o neto para pescar. Neste momento, eu me ajeito na cadeira do cinema. Solto a mão de minha mulher e busco um lenço (sim, eu costumava andar com um lenço perfumado no bolso). Sigo a cena atentamente.

O avô pergunta ao menino como ele se sentiria caso ele (o avô) partisse para sempre. O neto, sem perder o olho da linha dentro d’água, responde direto e tranquilo: “Você nunca irá embora.”

Naquela altura, eu já chorava tanto que sentia vergonha de estar ali. Uma comédia de censura livre, com um argumento fantasioso, e eu quase sem controle. Achei mais prudente me levantar e lavar o rosto.

Durante um tempo, nas incontáveis reprises do filme na TV, evitei revê-lo. Depois, comecei a achar que aquilo era uma imensa bobagem. De novo, chorei muito naquela cena.

Com toda certeza, para mim é uma das sequências mais inesquecíveis que eu já vi. Não me incomodo se o filme é assim ou assado. É minha emoção que declara o que realmente me toca.

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