Era sexta-feira, no início de novembro, dia de uma daquelas festas em casa, ainda com vitrola, vinil da Selva de Pedra, compacto dos Archies, Bee Gees e alguns outros. Coca-cola, guaraná, sanduíches e docinhos. O calor começava a chegar no Rio de Janeiro. Com o cabelo abaixo dos ombros, o jeito era se movimentar pouco, para não suar. O perfume da época Paco Rabanne de vidro verde.
Aquela não ia ser uma festa como outra qualquer. Era diferente. E para lá eu me dirigia de mãos geladas e estômago embrulhado de tanto nervoso. Ia ser na casa Dela.
A turma toda sabia que era a melhor chance que eu teria para pedi-la em namoro. Mas o jogo aconteceria justo na casa do adversário, com o pai a menos de dez metros. Era preciso coragem.
Tracei a estratégia: esperaria que todos chegassem – não queria a conversa interrompida — os pais deveriam estar sossegados, a luz mais baixa, as músicas mais agitadas já deveriam ter tocado. Mas, como todo mundo sabia, havia duas deadlines. A primeira era Do You Wanna Dance do Johnny Rivers, que selava namoros, e a segunda era a aproximação de uma hora da manhã, término da festa. Eu homem, na época adolescente prevenido, tinha uma carta na manga: Morris Albert, com Feelings poderia ser minha, só minha.
Mas voltando a roupa: calça da moda, de boca larga; sapato normal (nunca gostei de nada espalhafatoso nos pés, atrai a atenção para o lugar errado), e camisa social de manga arregaçada, peça pouco usada por alguém de 15 anos, mas um tanto ousado para a época. Cabelos cuidadosamente penteados e dentes brancos como os das celebridades atuais. Estava pronto meia hora antes do combinado, mas só podia chegar com a maioria dos convidados. Nada de demonstrar nervosismo ou ansiedade.
Para falar a verdade, não tenho nenhuma recordação do período entre a chegada e a hora em que a chamei para a famosa conversa. E olhem que minha memória é boa, apesar dos tarjas pretas dos últimos anos. Enquanto ela conversava com as amigas, atravessei a sala, que me pareceu imensa como o salão de festa de Versailles, e perguntei se gostaria de conversar comigo do lado de fora, num pequeno jardim que o prédio tinha. Ela usava uma blusa branca de botões.
Não lembro como comecei a conversa, mas fiz uma imensa e bem treinada declaração de amor. Eu tinha 15 anos e ela, 14. Ao ouvir, abaixou a cabeça, e eu senti que sua mão estava tão gelada quanto a minha. Levantei o rosto dela pelo queixo e dei um dos beijos mais inesquecíveis da minha vida. O medo, a sofreguidão e a paixão eram tamanhos que os dentes se bateram umas duas vezes.
Ali, de frente para a Baía de Guanabara, eu experimentava o frio na barriga mais gostoso da vida. Tinha a mais absoluta certeza de que iria casar com ela, ter filhos e morrer a seu lado com 1000 anos de idade. Que viajaríamos o mundo, que seríamos os mais felizes de todos os casais.
Com ela aprendi a amar, a respeitar, a ser amado e respeitado. Também tivemos inúmeras idas e vindas, com direito a choros, flores, presentes e muitos e muitos beijos e abraços.
Depois de quarenta anos, consigo me lembrar de todos esses detalhes e tenho certeza de que a vida vale por cada segundo de lembranças desse tipo. O que seria de nossas existências se tivéssemos a certeza de que o primeiro grande amor seria mesmo o definitivo?
Que lindo !! Sinto vontade de ler mais. Contos de amor de vdd . Amo
Basta um detalhe, um cheiro, uma música, para desencadear lembranças adormecidas que estavam guardadas num cantinho de nossos corações e conseguem nos transportar para lugares onde estivemos e momentos que vivemos…viajei no tempo com estes seus “detalhes”. bj
O melhor de tudo é saber que você participou de tudo isso e ainda estamos lado a lado. Beijos!
eh garoto… boas lembranças, são muitas, que fazem a vida valer a pena ser vivida inclusive os dias incertos que todos nós temos pela frente (seja eles bons, mais ou menos e ou ruins..) – vai saber…rs, como diz aquela propaganda : “vai que…”.
Exatamente, vai que…um dia…