A sucursal do inferno

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Gosto de dar presentes. De todos os tipos, tamanhos, feitios e preços. Sendo assim entra ano e sai ano, na temporada de Natal torna-se inevitável dar aquela fatal passada nas Lojas Americanas. É um karma, o inferno na vida de cada ser humano com um mínimo de senso do ridículo. Primeiro pensamento que me vem à cabeça: por que não mandam a Simone definitivamente para Cuba? Podem aproveitar e proibir seu CD de Natal. Segundo pensamento: quem foi o sacana que botou arranjo sertanejo nas músicas de Natal?

O comércio varejista mudou muito no Brasil nos últimos quarenta anos. Naqueles tempos, havia duas lojas de departamentos no Rio, nos moldes das americanas, a Mesbla e a Sears, em São Paulo, havia o Mappin. E o resto do comércio era constituído por lojas de rua. Existiam outras com um sem-número de itens e que não incluíam brinquedos, eletrodomésticos, e comida, caso das Lojas Americanas e as Lojas Brasileiras. Com essa divisão, todos os estabelecimentos enchiam, mas não havia batalhas campais com dezenas de feridos como vemos hoje em dia. Vieram os shoppings a partir da década de 1980, o fim das lojas de departamento, as compras via internet. Isso poderia ter aliviado tudo, mas sobrou um híbrido: as Lojas Americanas.

Roupa, lingerie, salgadinhos, doces, chocolates, produtos de beleza, brinquedos, eletrodomésticos, bugigangas, CDs, DVDs, e ainda a infinidade de artigos vendidos há quarenta anos. Tudo isso no mesmo espaço!

O responsável pelo som da loja tem problemas de audição. A música ambiente, os diversos DVDs à venda e alguns CDs, tocam ao mesmo tempo num volume capaz de provocar desmaios em um busto surdo de Beethoven!

Como insetos desorientados, os consumidores não compram os produtos conforme a seção; correm entre elas buscando tudo e descartando em qualquer lugar o que não querem mais. É comum encontrar um DVD ao lado de um pacote de fralda, ou um inocente chocolate enroscado a uma calcinha roxa, modelo fio-dental.

A comunicação entre as pessoas se torna uma tarefa insana, para não dizer impossível. Na disputa por atenção, em meio à cacofonia reinante, até Maria Callas ficaria afônica depois de dez minutos. Maria Callas, sim, porque o ar condicionado, consertado ontem quando fazia 39 graus à sombra no Rio, emperrou nos 15 graus e de lá não sai.

Minhas ambições eram modestas. Buscava o CD de um cantor sertanejo para minha filha e dois brinquedos para as filhas das moças que servem café no escritório. Em intermináveis trinta minutos, achei o que queria e me dirigi célere ao caixa, desviando-me de tudo e todos, não sem antes pisar em produtos no chão e quase esmagar uma criança que, sentada no chão, devorava um Chocotone tal qual um troglodita, sob reclamações de uma funcionária:

— Minha senhora, por favor, leve a caixa do produto para ser pago!

— Não tem pena da criança? Está com fome, coitadinha. Não vou pagar não, a loja está cheia, vocês estão ganhando muito dinheiro!

Pensei com desesperança: ano que vem têm eleições. Este tipo de pensamento me arrepia.

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Chego na fila do caixa. É uma fila única que passa por um corredor até estreito demais ladeado por inúmeras guloseimas doces e salgadas, entremeadas pelas mais recentes edições das revistas de fofoca de TV e ainda por aqueles CDs natalinos que quero que sejam esmagados. Acabo pensando nas meninas e pegando chicletes, balas e chocolates. Rio sozinho. Acho que quando elas tiverem quarenta anos ainda estarei comprando essas coisas para elas. Nas prateleiras, vejo mais produtos descartados: bombons mordidos, refrigerantes pela metade, e paro de pensar. Está chegando a minha vez. Para chamar para o pagamento, uma moça com uma voz de talhada para a função grita:

— CAIXA 18 LIVRE, É O SENHOR, TIO!

Por partes, para que não haja um homicídio: não peço a voz da Iris Lettieri como no aeroporto, mas também não era necessário contratar alguém com o timbre de Olivia Palito. O excesso de proximidade com as orelhas dos compradores poderia provocar, com certeza, sangramentos de tímpano. E pera lá, TIO? Isso é quase como xingar a mãe.

Mas imbuído pelo espírito de bom consumidor, sigo até a caixa 18.

— Boa tarde!

— O senhor não quer levar uma agenda 2014 com mensagens bíblicas?

— Não, obrigado.

— O senhor não que levar um mousepad com o escudo do seu time do coração?

— Não, obrigado.

A moça começa a passar os produtos e eu penso agenda? Mousepad? Quem ainda compra isso?

— Vai pagar como?

— Em dinheiro.

— Ô FISCAL, CAIXA 18!

Com o grito, levo um susto e recuo meio metro.

— Algum problema?

— Não tem dinheiro no caixa.

Definitivamente, havia prometido a mim mesmo manter a calma e consegui. O que eu não conseguia era parar de pensar em como uma loja com produtos que custam R$ 0,59 não tinha dinheiro no caixa.

— Ô FISCAL, O TIO TÁ ESPERANDO!

Tive que mentir:

— Gostaria muito, mas não tenho sobrinhos.

Percebi que falei alguma coisa que confundiu seus circuitos internos.

Chega a fiscal com dinheiro, me olha com algum desdém por querer pagar com esse meio tão antiquado.

Saio da loja e acho que o rumor do shopping é comparável ao silêncio de um confessionário. Vou em direção à livraria para ver se há alguma novidade e, na vitrine, vejo Sonho grande dos três donos das Lojas Americanas e de outras imensas empresas, sorridentes na capa. Admiração e raiva. Uma ponta de inveja. E, de novo, sobrepondo-se a tudo, admiração.

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