Para um tímido, reencontrar antigos colegas de escola 35 anos depois sempre será uma tarefa difícil. O nervosismo se agrava quando se está convencido, por uma questão conjuntural, da própria inferioridade, certo de que todos os demais convidados tiveram mais sorte na vida. Eram pensamentos desse tipo que passavam pela minha cabeça nas horas que antecederam meu primeiro encontro com velhos amigos do São Bento. Sentia-me torturado entre a curiosidade e a vontade de desistir.
Meus colegas de turma organizavam essas reuniões havia muitos anos, sempre em um pé-sujo em Ipanema, um desses bares de esquina com três mesas na calçada, cerveja gelada de garrafa, e petiscos cobertos de cebola e nadando em óleo. Nada melhor para entupir as artérias e desopilar o fígado. Como eu morava em São Paulo, ninguém tinha meus contatos. Por isso, nunca havia sido chamado. Quando voltei para o Rio, fui “descoberto” via Facebook – uma das coisas boas proporcionadas pela rede social. Logo fui convidado com direito a muitos e-mails de boas-vindas.
Todos apareceram em trajes bem cariocas: bermuda, camiseta e sandália havaiana. Eu tinha chegado poucos meses antes e ainda usava calça jeans, tênis com meia e camiseta. Abraços, cumprimentos efusivos, barrigas, cabelos brancos, poucos cabelos, enfim tudo que um encontro de senhores de meia-idade poderia ter. Quando cheguei ao bar, lá estavam quatro outros mais afobados do que eu. Um deles é o único torcedor do Olaria que eu conheço. Outro foi expulso por brigar dia sim e no outro também. O terceiro era o organizador do encontro e excelente ponteiro esquerdo, que me recebeu de pé, já gritando:
— Maurinho!
O quarto era um desconhecido, pois entrou depois da minha saída.
Mas minha curiosidade estava toda voltada para um amigo específico, daqueles que a gente nunca esquece.
Esse cara precisava aparecer no encontro.
E ele apareceu.
Fiquei embaraçado. Logo que me levantei recebi um grande abraço, como se estivéssemos descontando tantos e tantos anos de ausência. Cabelos e cavanhaque brancos, postura levemente arqueada, alguma dificuldade para andar, sorriso largo e uma voz diferente. Rapidamente, me vi diante do espelho. Como seria minha aparência física para eles?
Ele e o irmão gêmeo são negros, de família de gênios, todos, a começar pelos pais, e isto era muito diferente no início da década de 70 no São Bento, acreditem. Quando voltei dos EUA, lá estavam eles sentados na primeira fila. Fiz amizade com um deles, o mais inteligente, apesar disto ser medido por meio ponto em cada prova que um dos dois não tirava 10. Tricolor como eu, jogava futebol melhor do que eu e nós dois éramos muito debochados e rápidos nas sacanagens.
Comandávamos algumas batucadas em sala, com aquelas carteiras duplas. Tínhamos também o hábito de, ao levantar quando da chegada do professor, empurrar com força o assento para que este fizesse o máximo de barulho, pedindo desculpas na mesma hora:
–Perdão professor! Sem querer, escorregou…
O gosto pelos Beatles, juntos ou separados, e por Simon e Garfunkel também nos unia.
Quando tive hepatite na adolescência, ele saía do colégio, jantava na minha casa e me dava aulas dos assuntos mais importantes, além de deixar seus cadernos para que eu pudesse estudar. Meu pai depois o levava até a estação das barcas na Praça 15 onde o pai dele o buscava, pois moravam em Niterói.
Sentamos lado a lado, naquele bar em Ipanema, e percebi as marcas do tempo e de algum sofrimento no rosto, apesar do enorme sorriso. Seus gestos estavam mais contidos e reparei em seus dedos um pouco tortos, mas ele me dizia o quanto estava feliz em me ver. Naquele tumulto de muitos falando ao mesmo tempo, não pudemos conversar direito, mas fiquei observando. Porque arqueado? Que problema teria acontecido para mancar do lado direito? Onde estava aquele amigo que jogava futebol com a cabeça erguida e corria dando as ordens em campo? O que a vida havia feito com ele e comigo?
Apesar dessas minhas dúvidas, sua “autoridade” perante os demais era nítida. Nada nem ninguém ficava de pé diante da força de seus argumentos, repletos de inteligência e deboche. Logo no primeiro brinde fui homenageado e ele, chamado de “presidente” pelos demais, declarou que eu já chegava como membro da diretoria. Ri bastante e depois pudemos conversar. Soube de seus sucessos, tristezas, agruras, sofrimento físico e observei que por trás das mudanças permanecia o amigo que não deixou o tempo passar por dentro. Os cabelos e o cavanhaque brancos, rugas de expressão e os problemas da artrose precoce não mudaram a imensa admiração que eu sempre tive por ele. Foi uma noite de redescobertas e calor gostoso no coração.
Marcamos um almoço para a semana seguinte, contamos um ao outro as histórias de nossas vidas. A amizade voltou como se nunca tivesse se interrompido. Para mim aquele “senhor” era o mesmo sujeito que me dava aula, me acompanhava ao Maracanã para ver o tricolor. Mesmo marcado pelo tempo e pelos acontecimentos, assim como eu, aquele era meu grande amigo de sempre. De novo.
Me identifiquei totalmente
Que bom que tenha gostado!