Erros de um eterno iniciante

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Era de tarde, só tenho certeza disso. Se passaram por mim pessoas ou cachorros vira-latas, tanto fazia. Não lembro ao certo ou não quero lembrar. Estava sentado na mureta de um prédio, de olhos pregados na entrada, estômago embrulhado, sem querer pensar no que acontecia naquele exato momento em algum daqueles apartamentos. Minha presença ali fora exigida como a suprema prova de amizade pela garota por quem eu estava completamente apaixonado. Ela planejara um encontro com outro e, insegura, pedira para que eu ficasse por perto caso alguma coisa desse errado. Não consegui entender – não consigo ainda – o que me levou a concordar em participar daquela loucura.

Ela não ignorava o que eu sentia. Fazia tempo que eu havia lhe contado tudo de uma vez. Tínhamos a mesma idade, perto de dezoito anos. Ela estava longe de corresponder ao padrão de beleza da época, mas sua segurança era tanta que, aos meus olhos, era a mais bonita, aquela que pairava sobre todas as outras. O desejo de estar a seu lado era imenso e eu chegava a ponto de sentir fisicamente sua ausência. (É verdade, admito, que a adolescência é a idade dos amores impossíveis). Não sei exatamente o que me atraiu, mas a admiração só crescia. Todas as suas palavras me pareciam importantes, fundamentais. Dizia para mim mesmo que não me importava ser apenas mais um de seu séquito de amigos.

Desde o início, tinha ficado bem claro que aquela seria uma história de obstáculos quase intransponíveis. Para começar, ela já tinha um namorado mais velho, o que respondia em parte por aquele ar de superioridade sobre as demais meninas. Eu, o fiel escudeiro, ouvia queixas sobre o relacionamento e testemunhei impotente quando ela se apaixonou por outro, também mais velho. No fundo, o que eu esperava é que surgisse uma nova oportunidade para reiterar tudo o que sentia. Mas ela vivia cercada de tantos e o papel de amigo me protegia. Revelar novamente meus sentimentos poderia colocar em risco aquele nosso convívio. O mais importante era estar junto dela, participar de sua vida.

Passávamos horas conversando sobre outros assuntos, cultivando uma amizade verdadeira, embora o que eu sentia fosse totalmente diferente. Me envolvi com outras garotas para que percebesse que eu estava vivo e ao lado dela. Mas era inútil, ela não dava a mínima importância para esses namoros, o que me deixava cada vez mais irritado e irremediavelmente apaixonado.

Sabíamos de antemão que o fim do ano traria grandes mudanças para todos nós, um afastamento. Não seria na realidade uma separação porque era a sequência natural da vida: cada um devia seguir seu próprio caminho. Eu procurava ansiosamente por meios de permanecer por perto. Aceitava passar por situações que poucos amigos admitiriam, coisas que só os apaixonados poderiam repetir. Escutava as ladainhas sobre um, as juras de amor eterno para outro. Mesmo assim, seguia nutrindo um sentimento que jamais seria correspondido.

Embora eu não percebesse a princípio, no nosso círculo de amigos as pessoas nos viam como inseparáveis. Alguns comentaram que ela parecia mais bonita e feliz, o que me alegrou e me encheu de esperança. Logo descobri que o motivo daquela mudança era uma nova paixão.

Depois do último feriado antes das provas, ela reapareceu com o ar diferente, abatido. Estava evidente que havia perdido peso em poucos dias. Comigo, chorou o fim do namoro e jurou que conquistaria seu novo amor. Para isso contava comigo. Era a prova de amizade que eu teria de lhe dar.

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E lá estava eu, na porta daquele prédio, numa tarde da qual me lembro poucos detalhes, sentado na mureta, tentando não pensar, a garganta fechada, numa espera infinita que não deve ter durado muito mais do que uma hora. Pela primeira vez na vida senti enjoos por estar fazendo algo que contrariava inteiramente a minha vontade.

Depois daquele dia, a vida seguiu o rumo planejado. Vieram as provas, os resultados, as juras de amizade eterna. Seríamos inseparáveis para sempre, não importava o que acontecesse. Aquelas promessas que fazemos nessa idade.

Deliberadamente, fiz uma viagem de dois meses de duração, para entender de verdade que estava dando início a uma nova etapa, tal qual dissera o orador da turma na formatura.

Quando voltei, recebi uma ligação com um recado dela. Fui correndo até sua casa. Pela primeira e última vez, nos beijamos. Por um instante senti que nossa história poderia ser diferente, mais bonita, com um futuro. Estava engando. Não era para ser.

Aos dezoito anos, fiz uma promessa vã de nunca mais revelar de imediato a intensidade dos meus sentimentos para mais ninguém. Mas no amor, parece que dificilmente aprendemos com os nossos erros. Erramos, erramos de novo. E com certeza continuarei a errar.

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