Nuvem passageira

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me beija VI

Não era para chover!

Estavam os dois sentados num banco de frente para o paredão negro em que o mar se transformava de noite. Viam a espuma branca das ondas, sentiam o cheiro de maresia, e riam de tudo que falavam. Era quase uma espécie de duelo para ver quem seria mais rápido na troca de frases curtas, sempre com o objetivo de deixar o outro sem graça. Conheciam-se havia muito e isso dava enorme sensação de intimidade e, claro, sempre suscitava a frase tradicional:

– A intimidade é uma merda – e riam de novo, concordando.

– Tá chovendo…bastante… – ele observou.

– Deixa de frescura…peraí eu tenho um guarda chuva micro aqui dentro…

Aquela bolsa minúscula que ela elegantemente usava parecia conter de tudo. Ele nem sabia mais o que sairia de lá.

– Minhas costas estão ficando molhadas. Você vai cuidar da minha pneumonia.

– Com prazer… Já disse: vai parar. É uma nuvem passageira…

– Ahhh! Tá bom! Só que não!!

Depois de bem molhados e ainda rindo, saíram dali. O lugar estava absolutamente deserto, exceto por alguns pescadores que teimavam em tentar algum sucesso.

Caminharam até a casa dela.

– Entra, vamos secar enquanto bebemos alguma coisa.

Com um pouco de frio, sentaram-se e continuaram a conversar sobre tudo e todos. Mas sentiam que havia uma tensão no ar. O vinho acabou por tornar a conversa ainda mais relaxante. Mudaram as cadeiras de posição para debaixo do toldo, na varanda. Assim viam a chuva caindo. Ficaram de frente, olhando-se nos olhos. Os dela diziam muito para ele e ele não sabia mais se olhava o sorriso tentador ou os olhos sedutores. Ela provocava com gestos, palavras, sorrisos e piscadelas.

Como se estivesse tudo combinado no destino de cada um, os olhos se fecharam, as mãos tocaram as nucas, o beijo foi suave como deve ser o primeiro, mas com temperatura elevada com se previsse algo mais.

Eles se olharam, nada falaram, sorriram timidamente, voltaram a se beijar e ao mesmo tempo prestaram atenção na música que tocava pelo celular dela. As respirações se aceleraram.

– Será que podemos ter uma música, mesmo sem ser adolescentes?

– Qual o problema? E depois ninguém vai saber, mas vou escutá-la por muito tempo.

– Eu também…

– Voltou a chover forte…-  ele observou, um tanto preocupado com a volta para casa.

– Me passa seu copo. – ela prolongava cada instante dele ali ao lado.

Ele não cansava de admirar sua boca e seu sorriso, nos entremeios dos beijos mais longos e dos corpos se entregando.

– Eu… – ele ia começar a dizer alguma coisa importante. Mas ela o interrompeu com firmeza, doce e cheia de razão:

– Fica quietinho…e me beija.

 

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