Pé na estrada

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Eram sete da noite quando terminei a visita a uma empresa instalada em Rio do Sul, bairro afastado do centro da cidade de Jaraguá do Sul, em Santa Catarina. Não tinha ideia de como voltaria para Blumenau, onde estava hospedado. Não havia taxi para me levar à rodoviária. Somente uma placa de ônibus na praça, conforme me informou o guarda na porta da empresa. E a dez minutos de caminhada. Não havia ninguém na rua. Esperei meia hora até que apareceu um ônibus com letreiro Blumenau via Pomerode. Fiz sinal e entrei. Foram mais duas horas atravessando bairros, estradas de terra, sob o olhar de pessoas que tinham certeza de que eu era um forasteiro. Depois disso, cheguei ao hotel para voltar a trabalhar no quarto.

Como fui parar naquele lugar? Tudo começou de forma inesperada.

– E aí Italiano? Pronto pra viajar?

Depois de quatro meses em São Paulo no novo trabalho, estava na hora de começar a visitar empresas pelo Brasil afora, conforme sugeria ou intimava meu chefe.

Estávamos exatamente na metade da década de 1980, havia um grande número de novos fundos de pensão estatais e privados, todos com recursos livres para comprarem ações e se tornarem sócios de empresas em todo o país, numa reprodução do que acontecia havia trinta anos nos Estados Unidos. Esse era o sonho do mercado de capitais nacional na época. O objetivo do trabalho era produzir relatórios para esses fundos recomendando ou não a compra de determinadas ações.

A minha escola sempre foi a fundamentalista, isto é, da análise dos fundamentos da economia e das empresas a fim de projetar o futuro, e assim poder saber quais seriam as melhores nos três anos seguintes. A inflação já preocupava muito, o câmbio era um pesadelo depois das maxidesvalorizações de 1979 e 1981, e a legislação tributária começava a criar problemas. Nada de tão complicado quando se olha para trás e se vive com o panorama atual.

— Acho melhor você começar visitando empresas em Santa Catarina. Existem por lá pelo menos umas quinze de capital aberto. Faz o roteiro e depois explico como vamos trabalhar.

É imprescindível recordar que as comunicações, embora já fossem melhores do que na década anterior, se encontravam a anos-luz do que temos hoje em dia.

Feito o roteiro e marcadas as visitas, veio o ritmo de trabalho e a inovação.

— Vamos fazer o seguinte: você fará três a quatro visitas por dia. De noite faz os relatórios. Na manhã seguinte, você conversa com a pessoa responsável pelo telex, dá uma grana e ela passa o relatório para cá. Assim começamos a trabalhar antes da concorrência e com informações que ninguém tem!

— Legal. A ideia é boa, mas quando é que eu vou dormir?

— De uma às seis da manhã dá pra dormir até demais!

E soltou uma sonora gargalhada.

— Você não vai se arrepender.

— Mesmo que me arrependa, nem conseguirei falar…Tudo isso entre segunda e sexta-feira da semana que vem?

— Tá bom. Aí deixo você ir para o Rio descansar até a quarta-feira. Fechado?

— Agora melhorou muito!

Conforme o combinado, consegui que as informações e as minhas projeções, boas ou não, sobre cada empresa visitada chegassem “frescas” na corretora. Assim, abastecia os clientes com informações quase on line para os padrões da época, contribuindo para que o faturamento da corretora também crescesse.

Meu chefe era uma pessoa de ideias avançadas para a época e de uma crença quase que religiosa na escola de análise fundamentalista, sempre calcando discussões em pontos importantes da economia e de cada empresa. Ele me ensinou a percorrer o mesmo caminho. Eu já havia tido bons mestres quando comecei no Rio de Janeiro, mas essas viagens, essa maneira de trabalhar e o apoio recebido foram muito importantes para minha formação. Entre 1985 e 1989 fiz quase setenta viagens pelo Brasil, visitando cerca de oitenta empresas e acertando quase 60% das projeções, o que para época era um índice e tanto. Realmente não me arrependi. Aprendi demais, conheci muita gente boa, passei diversos sufocos em aviões (a parte nada boa), tomei muito chá-de-cadeira em empresas e aeroportos, e vi que investimento feito com critério em ações é inigualável.

 

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Sem comentários

  • Lembrei que o Meinardo me obrigou a roubar o balanço da Belgo Mineira que ainda não havia sido divulgado… Estavamos por lá e eles deram bobeira… Desci apavorado e tirei xerox de tudo numa papelaria ao lado… Subi e devolvi o balanço ao lugar de origem…. Que coisa!!!!

  • doni disse:

    È meu amigo, eu tbém fiz muito isso, principalmente no Sul do País onde havia muita empresa boa, fazendo relatórios à noite comendo um lanche no quarto do hotel. Lendo Gazeta Mercantil, JB, sem Laptop, planilhas em Excel, etc;
    E fazendo análise direto do balanço que saia no jornal, lembra? hoje tudo é mais fácil mas era muito mais gostoso, perdeu o encanto……abs.

  • Ricardo Vetere disse:

    Vontade de começar tudo de novo, que profissão espetacular que escolhemos Mauro!! Abração

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