A cabeça trai. O coração trai. Os pensamentos traem. Os sentimentos traem. E às vezes todos conspiram em conjunto, sob os auspícios da memória, a maior das traidoras. Digo a mim mesmo que o tempo passa, que as pessoas mudam por dentro e por fora, enquanto espero o momento de rever, depois de oito anos, alguém que foi muito importante para mim. Chego primeiro, ela aparece pouco depois, linda, com roupas discretas de trabalho. A cabeça trai. O coração trai. As emoções que me assaltam não são cândidas e serenas. São ondas avassaladoras, devastadoras. Noto que ela parece estar tão nervosa quanto eu.
Nos cinco primeiros minutos, trocamos palavras um tanto desconexas. Preciso conter as emoções, controlar a fala, domar o pensamento, organizar as ideias, lembrar que o tempo havia passado. E tudo deve ser feito em segundos, em frações de segundos. Sinto-me exaurido, esgotado, consumido pela força da adrenalina que circula dentro de mim. Para completar, a falta de insulina me deixa zonzo. Começo a temer a possibilidade de um desmaio.
— Não me deixa falar – imploro.
Deve ser um dos pedidos mais estranhos que já fiz. Justamente eu, que falo sem parar.
— Também não quero falar. Já tive muito que dizer, muito a lamentar. Agora quero só te abraçar com força, sentir seus braços na minha cintura e escutar sua respiração.
— Esse é justamente um dos problemas. Não consigo respirar direito.
— Me abraça…
São alguns minutos onde cheiros, gostos e o contato entre os corpos nos transportam para muito longe.
— Você está mais bonita do que nunca.
— Você é incorrigível com sua mania de elogiar as mulheres.
— Mulheres são diferentes de você.
— Meu rímel borra se eu chorar.
A cabeça trai. O coração trai. O destino trai. Que tipo de peça de mau gosto ele quer me pregar? Sabe perfeitamente que não tenho forças para enfrenta-lo.
— Você está feliz? – balbucio.
— Há dez minutos pensei que estivesse.
— Bobagem – retruco. — Aos trinta e poucos anos temos a obrigação de sermos felizes.
— Pelo contrário. Tenho mais tempo para remoer o arrependimento pelo que fiz. Não reconheci o que tinha diante de mim.
— De novo te digo que é bobagem. Não seria como imaginávamos. Foi paixão. Forte, eu sei, mas paixão…
— Hoje é amor.
— É saudade de um tempo muito legal. Mas ficou lá para trás. Foi bom te ver.
— Não vai ainda.
— É melhor. Beijar você seria o maior erro da minha vida.
— É o que quero.
Vou embora com seu gosto na boca, um gosto de oito anos atrás. Não volto a olhá-la. O passado foi bom. Não tenho direito de interferir nele e nem posso revivê-lo no presente.
A cabeça trai. O coração trai. As palavras traem.