O arco-íris tomou conta do Facebook na semana passada. Com a facilidade de um aplicativo de dois cliques, dezenas de amigos modificaram suas fotos para saudar a aprovação do casamento entre iguais nos 50 estados americanos. Se minha timeline fosse uma amostra fiel do mundo lá fora, seria possível concluir que a homofobia seria coisa do passado e que os níveis de tolerância andam semelhantes aos da boa e velha Amsterdã. É preciso até fazer algum esforço de memória para lembrar que há poucas semanas atrás um comercial das perfumarias O Boticário, com todo tipo de casal, recebeu elevados índices de rejeição no Youtube, criando uma ruidosa polêmica muito bem capitalizada pela empresa. Ainda na semana passada, outros tantos amigos se indagavam quem era o cantor sertanejo Cristiano Araújo e por que sua morte precoce merecia tanto espaço nos noticiários. Ignoravam que ali mesmo no Facebook sua página contava com mais de sete milhões de seguidores.
Esses dois acontecimentos virtuais servem muito bem para demonstrar um fato óbvio, mas que costuma ser esquecido por muita gente nesses tempos de conclusões apressadas. Prezado leitor, sua timeline (ou a minha) não serve como uma boa representação do mundo lá fora, por mais heterogênea que seja a composição de suas relações. Há ocasiões em que me parece que vivemos simultaneamente em realidades paralelas, como no filme Matrix. O Twitter, por exemplo, fervilha com troca de desaforos entre partidários do governo e oposição, numa polarização que ainda repercute os ecos da campanha eleitoral, período em que amizades foram desfeitas e novos desafetos foram criados tanto nas telas quanto nas mesas de bares. Nas bancas de jornais, todas as manchetes falam de corrupção, de números terríveis para a economia e projeções ainda piores para os próximos doze meses. No Facebook, chego a ver movimentos de protestos contra a alta de preços, mas não vejo nada disso se materializar nas ruas. Nos supermercados que frequento em Copacabana, reduto da classe média carioca, escuto queixumes de que a vida anda cara, mas nada além disso. Talvez para muitos seja mais prático destilar sua revolta contra tudo e todos exclusivamente nas mídias sociais, no conforto e aconchego de seu lar. Em entrevista recente, Humberto Eco soltou uma frase lapidar: “Na Internet, o imbecil pode opinar sobre tudo o que não entende”.
Nos últimos tempos, os vitupérios voltaram a perder espaço para aquela matéria-prima que sempre alimentou as redes: frases inspiradoras de atribuição duvidosa, fotos de bichinhos, de viagens espetaculares e festas que sempre bombam e, claro, votos de aniversário. Afinal, como diz o nome, são redes sociais. E a vida social alterna momentos de confraternização, futilidade, apoio moral e discussões. Mas o mundo “real” seria bem esquisito se os diálogos seguissem o padrão vigente do Facebook:
— Partiu academia!
— Partiu pôr-do-sol!
— Por isso é que eu amo o Rio de Janeiro.
— É mesmo. Na night com as poderosas.
— E nada de fiu-fiu.
— Diga não à homofobia.
— Sim, e corra atrás de seus sonhos.
— Não passam de uma cambada de filhos da mãe.
— Mas não há nada que um bom banho de mar não cure.
— Se joga.
— Tô na pista.
É preciso lembrar, porém, que vez por outra esses dois mundos paralelos acabam colidindo e o resultado pode ser uma Primavera Árabe ou as manifestações de junho de 2013 no Brasil, que levaram milhares às ruas em protesto contra os infames vinte centavos. Num nível bem mais comezinho, relato um incidente acontecido comigo. Depois de meses sendo ignorado por um grande banco, fiz uma postagem no Facebook e no Twitter com uma hashtag desaforada e em dez minutos minha situação foi resolvida. Acredito que as mídias sociais têm um enorme potencial para promover movimentos e transformações na realidade concreta. Mas precisamos deixar o mundo colorido da Matrix e transitar com o mesmo empenho pelo território do real, onde participar dá muito mais trabalho.
É uma questão de opção: vamos (coletivamente) escolher entre a pílula azul ou a vermelha? (por Mauro Giorgi e Livia de Almeida)
Concordo com você!!! E o que eu achei interessante foi que muitos outros países já tiveram essa aprovação antes dos EUA e não houve esse alvoroço de “cores” no Brasil. Sinceramente não entendi…
Em maio houve um referendo na Irlanda e o pais em peso votou sim, para aprovarem o casamento civil de pessoas do mesmo sexo. Foi um excelente resultado!
Acredito que entramos na onda porque foi um aplicativo que era politicamente correto e ninguém quer ficar de fora. Os outros também foram, mas não teriam essa “onda” que yeve com o próprio Zuckenberg começando.