Coração procura

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Quase Verão III

Sexta-feira de folga, primavera carioca, um pré-verão com sol bom, céu aberto e praia vazia. Até a areia estava numa temperatura agradável. Procurou um lugar perto da água e lá veio o Garrincha, da barraca do Moisés, em frente ao Hotel Marina, no Leblon, abrindo a cadeira e fincando a barraca com sua tradicional rapidez:

– Vou colocar sua cerveja no fundo isopor para gelar mais rápido!

– Não precisa mentir. Olha, só posso tomar uma. Então tem que ser gelada mesmo!

– Pode deixar patrão…

Naquela manhã, sentia uma vontade de conversar com os outros que não aparecia fazia tempos. Em volta ninguém interessante e ele já imaginando como arrumar pelo menos um jornal para ler. Aí ela apareceu. Cabelo preso, fone de ouvido, brincos de argola, óculos escuros grandes não deixando identificar melhor o rosto. Movimentos lentos e precisos.

Mais uma vez Garrincha surgiu veloz com cadeira e barraca:

– Tá aqui, Patrícia!

– Obrigado, Garrincha – respondeu com fala mole e sotaque carioca carregado.

Garrincha olhou para ele que não desgrudava os olhos dela e disse:

– Melhor tia da praia. Quando traz os sobrinhos gêmeos, esse pedaço vira uma festa!

Sorriu tentando ser simpático com ela, mas recebeu de volta um olhar sem expressão, agora já sem os óculos escuros. Reparou melhor no rosto: nariz de plástica, arrebitado, mas nada exagerado, lábios grossos mas não grosseiros, olhos escuros. O conjunto agradava demais. Ao tirar a bata branca com detalhes de renda, o cabelo se soltou e desceu pouco abaixo dos ombros, não muito lisos. Ela tornou a prendê-los com algum enfado. Com um biquíni preto, de tamanho discreto para os tempos atuais, tinha um corpo bronzeado pelo sol e espetacularmente imperfeito, do tipo que não é apenas para se admirar, e sim se apaixonar.

Sem o menor constrangimento, ele continuou a observá-la. Ela pegou então óculos de grau e o olhou para se certificar se ainda a fitava. Ele arriscou um meio sorriso e foi correspondido por um quase imperceptível aceno de cabeça. Ele percebeu que ela não enxergava bem com os óculos escuros, igual a ele.

Como poderia começar uma conversa? Pensava em pedir para olhar suas coisas enquanto ia na água. Não. Tinha que ser mais criativo, tinha que ser alguma coisa que arrancasse um sorriso verdadeiro daquele rosto agora fechado.

A praia ainda estava vazia. Precisava tentar algo antes que chegasse a concorrência. Aquela ansiedade já tirava até o gosto pela praia. Pensou melhor: “Deixa pra lá, não é a última nem a única mulher do mundo, é uma chance, mas quem disse que ela seria simpática, inteligente e bem humorada. Aliás, com aquela cara fechada deve ser chata e se achar a mais gostosa do pedaço”.

– Patrão sua cerveja do dia, cavalarmente gelada! – Garrincha surgiu de repente como quem brota da areia.

– Patrícia, sua água de coco!

– Não pedi nada!

– Eu sei. É cortesia do meu patrão aqui – Garrincha olhou para ele e piscou, se retirando rapidamente e levantando areia.

– Obrigado, você já sabe meu nome, muito prazer!

– Prazer, Otavio. Posso por minha cadeira ao seu lado?

– Claro, traz a barraca também…

Ele começou a operação e o Garrincha, de novo, apareceu do nada, terminou de colocar a barraca perto dela. Saiu sorrindo e murmurando:

– Vai ser um longo verão, hein. patrão?!

Ela com certeza era inteligente, bem humorada e a mais gostosa do pedaço. Ele riu por dentro e concordou com a observação do filósofo da praia: Será mesmo um longo verão.

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