O coração é um músculo idiota, segundo meu cardiologista. Do seu posto altivo e privilegiado, é o cérebro que está no comando. Mas como seria possível que as emoções partissem de um bobo? Não existe explicação científica capaz de nos convencer que elas não brotem do peito quando são demonstradas pela aceleração dos batimentos, pela famosa sensação de que o coração vai sair pela boca, naqueles momentos em que, embora a visão esteja meio turva, e seu ritmo um tanto agitado, descompassado, ele palpita firme.
E o coração bateu mais forte:
Final da década de 1970. Entre a última prova do vestibular e o anúncio da classificação havia um intervalo de quase dez dias. Dez dias de ansiedade. Na data marcada, era difícil pensar em outra coisa. Fui esperar que o jornal chegasse a uma das poucas bancas que funcionavam de madrugada. O clima era de farra, mas eu estava gelado. Quando segurei meu exemplar, mal conseguia falar e tremia. Parecia estar assistindo a um filme de terror. Até que vi meu nome: eu havia passado. Fiquei mudo e o coração bateu mais forte.
Num restaurante bacana de São Paulo, durante um jantar, percebi um burburinho. Lá estava ele, o Rei Pelé, em pessoa. “Que legal vê-lo de perto!”, pensei. Não me contive. Fui até sua mesa e pedi um autógrafo. Percebi tarde demais que não tinha papel, só a caneta. Ele não se fez de rogado, pegou o guardanapo e começou a autografar. Por alguns segundos voltei a ser o menino que viu a Copa de 1970. Agradeci um pouco gago e o coração bateu mais forte.
Eu costumava frequentar uma enorme farmácia no Conjunto Nacional, na Avenida Paulista. Uma vez, entrei com minhas filhas, numa conversa animada, como sempre. De relance, achei ter visto alguém conhecido. Na fila do caixa, reconheci o boxeador Éder Jofre que aguardava, com calma, sua vez. Lembrei-me de novo dos tempos de criança. Eu o cumprimentei e me emocionei por ele ter ficado feliz ao ser reconhecido. Sob o olhar assustado das meninas, o coração bateu mais forte.
Naquele dia, foi impossível almoçar, nem mesmo beber um copo d’água. Eu havia sido chamado pelo presidente do banco onde eu trabalhava para ter uma conversa com hora marcada. Tudo o que eu fizera nos últimos três anos passou pela minha cabeça. Eu examinava cada ação, cada gesto para tentar descobrir se havia cometido algum erro, alguma falha ou se incorrera em alguma atitude que prejudicasse a instituição. Na antessala, só sentia minhas mãos geladas e o estômago trancado. Ao ser chamado pela secretária e ser convidado a sentar, senti aquela famosa gota de suor, descer pelo colarinho e escorrer lentamente pelas costas…
— Mauro, quero que você seja o novo diretor de Crédito do banco.
A fala foi calma e mansa. Fiquei ao mesmo tempo enjoado, eufórico, tonto, chegava a escutar a adrenalina correndo na veias. Só consegui responder:
— Claro, muito obrigado.
Ao sair daquela sala depois de uma conversa de alguns minutos da qual não me lembro de uma palavra sequer, saí e comecei a receber cumprimentos. E a única coisa que percebia com clareza era que meu coração batia mais forte.
Quando soube que minha primeira filha acabara de nascer, que estava tudo bem com ela e com minha mulher, por alguns segundos não conseguia escutar nada, abraçado a meu pai, depois a minha mãe, seguidos por uma fila imensa de pessoas em uma fria sexta-feira de quase inverno paulista. Quando ela chegou embrulhada, ainda tão indefesa, e eu a peguei no colo, meu coração bateu mais forte.
Outro hospital. O médico me chamou para ficar junto de meu pai quando, por minha solicitação, pararam de lhe ministrar os medicamentos que o mantinham vivo. Observei então um fenômeno triste e ao mesmo tempo inspirador. À medida que o coração dele batia cada vez mais fraco e mais espaçado, o meu, por medo, tristeza, e responsabilidade, batia cada vez mais forte. O dele e o meu, somados, batiam juntos e muito mais fortes.
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Quando o coração muda de ritmo, é preciso escutar.