Era para não olhar. Os olhos dela insistiam, me chamavam. Eu percebia, mas lutava para me desviar daquela tentativa de contato de todas as maneiras possíveis. Com tanta gente naquela festa, até que não era uma tarefa difícil. Mas seu olhar me atraía como um imã. Cheguei a pensar que a solução era ir embora. Não. Por que eu deveria abrir mão de momentos agradáveis em nome de uma briga de amor mal resolvida? Enquanto todos dançavam, fui envolvido por seu perfume. Fiquei firme e não olhei para trás. Só Deus sabe quanta vontade senti!
Tudo se passara de uma forma banal. Um dia de trabalho cansativo, uma troca nos horários da sessão de cinema e uma resposta atravessada precederam uma discussão inútil. Àquela altura, as consequências já duravam uma semana.
Nunca fui bom para DRs e como minha paciência andava em níveis muito baixos, a possibilidade de me render era pequena. Ela, por sua vez, era a Rainha da DR. Chegava a preparar o ambiente especialmente com esse fim. O que eu queria mesmo era só pedir desculpas e pronto, vida que segue. Mas entendi que se um simples atraso em um compromisso tinha ganhado aquela dimensão era porque as coisas não iam bem. Nesse caso, melhor seria esperar o que ela tinha a dizer.
Passei a semana revendo na minha cabeça qualquer tipo de sinal que pudesse ter passado despercebido. Realmente não encontrava nada. Tentei reconstituir os diálogos, identificar coisinhas que teriam incomodado aos dois ou gerado algum clima diferente. Nada me ocorria.
Ao mesmo tempo em que me preocupava com tudo isso, crescia a chateação por estar longe dela. Descobria que sentia por ela bem mais do que imaginava. Não era falta de companhia, era falta dela. Todos sabem que há um período em qualquer namoro em que as duas partes são cobiçadas por terceiros. Acredito que seja algo instintivo no bicho humano. Mas nunca caí nessa armadilha. Tinha vontade de lhe dizer algo diferente.
Peguei-a desprevenida na saída do trabalho e fomos tomar um chocolate quente para passar o frio do final de tarde:
— Sem nenhum rodeio, nunca imaginei que sentisse tanta falta de conversar com você, de sentir sua mão nas minhas costas e de ter seu perfume nas minhas roupas.
— Já não aguentava mais esperar por você. Por que demorou tanto?
— Detesto DRs e você adora. Não queria nada assim. Só dizer que não dá para ficar sem você.
– Eu já sabia há mais tempo que sem você não ia dar para ficar.
Naquele mínimo diálogo seguido de diversos beijos breves, médios e longos, percebi o quanto eu deveria tê-la em altíssima conta, o quanto eu deveria proteger o que tínhamos ali, juntos. Não medi o tempo de duração daquele sentimento, e nem quis ter noção de que ele seria pra sempre ou não.
A cada relacionamento, aprende-se alguma coisa sobre si e sobre os outros. Daquela vez, entendi que nunca mais deveria me furtar de dizer exatamente o que sentia, independentemente da reação ao que fosse dito. O importante era não guardar.
Ela não está mais comigo. Vários motivos nos afastaram, alguns intransponíveis. Mas em alguns momentos sinto no ar seu perfume e me assusto. E em outros, sinto suas mãos nas minhas costas e me conforto.