Na era do rádio

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Radinho de pilha

Há alguns domingos fiz uma coisa que não fazia havia quase trinta anos: escutei um jogo do Fluminense pelo rádio. O locutor era repórter de campo, na minha adolescência, e um dos comentaristas, por sua vez era um antigo locutor. Foi engraçado como reconheci as vozes antes mesmo deles falarem seus nomes. Senti-me transportado para algum momento nas décadas de 1970 e 1980.

Lá em casa havia um rádio de alguma nacionalidade que não me lembro agora, com dial aparente no canto direito. Usava uma bateria que só era encontrada em uma loja específica do centro da cidade. Meu pai tinha o péssimo habito de levar trabalho para casa nos fins de semana e, aos domingos, enquanto ele trabalhava, eu fingia que estudava. Fingia. Na verdade, estava concentradíssimo na transmissão do jogo de futebol. Sabendo que o vídeo teipe das partidas só seria transmitido tarde da noite, os locutores ficavam livres para exagerar naquelas narrações acompanhadas atentamente por mim.

— Você, ouvinte, é a nossa meta. Pensando em você que procuramos fazer o melhor.

Era assim que o locutor Waldir Amaral começava as transmissões do futebol pela Radio Globo.

Em 1972, ganhei um rádio de pilha para escutar os jogos do Fluminense e música na Radio Mundial. Como estudava à tarde no São Bento, dava minha audiência ao Show dos Bairros com locução do Majestade. Ok, a essa altura já entreguei minha idade. Sem problemas. Esse radinho tinha uma capa de plástico azul e foi um dos primeiros produzidos na Zona Franca de Manaus. Na época, meu avô me chamou atenção para o que estava escrito na parte de baixo do aparelho: Made in Brazil. Era um feito para a época.

Esse eletroeletrônico foi a salvação para mim e para meu irmão quando tivemos hepatite simultaneamente em 1973 e ouvíamos a programação  dia e noite. Shows musicais, variedades, policiais. Na madrugada, valia qualquer coisa.

Mas a principal finalidade do aparelho era mesmo acompanhar o futebol. Eu conhecia os comentaristas e, claro, tinha preferências. João Saldanha falava o que queria, apesar de botafoguense doente era bom escutá-lo; Luis Mendes já na época era o “politicamente correto” – para ele, dificilmente alguém tinha jogado mal; Rui Porto era enrolado e ruim, mas era tricolor. E assim eu ia mudando de estações para escutar o que me agradava, conforme o jogo.

Acreditava nas transmissões e comentava no colégio que a bola tinha passado muito perto mesmo. Afirmava que o juiz era bom ou não conforme o veredito dado por Mario Vianna, “com dois enes”, como era apresentado, o primeiro comentarista de arbitragem do Brasil, dono dos melhores bordões gritados a plenos pulmões, como “banheira” para os impedidos, “la mano” quando se tocava com a mão na bola, “soprador de apito” quando o juiz era ruim e, o melhor de todos,  “eu vou aí” quando a bobagem do juiz era espetacular.

Prestei atenção na narração que se pratica atualmente e percebi que os locutores são verdadeiras metralhadoras, porque o futebol está mais corrido, há mais propagandas e, com a televisão, não é mais possível fazer tanta fantasia. Notei, no entanto, que para trazer mais audiência o locutor costuma ser sempre torcedor do time carioca. É o típico “nós contra eles”. Não sei como funciona durante o Campeonato Carioca, mas no Brasileiro a torcida é descarada. Ri bastante com isso. Os comentários também mudaram. Não há mais o julgamento individual dos jogadores e a exaltação ou não de jogadas, e sim um infindável desfiar de palavrório de tática de futebol, que é muito chato.

O Fluminense ganhou o jogo, fiquei feliz por isso e por ainda ter o ouvido treinado para acompanhar e saber o que acontece em campo de acordo com a locução. Mas fiquei com saudades da saudação final que costumava ser pronunciada por outro dos grandes nomes da época, Jorge Curi:

— Apagam-se os refletores e adormece o gigante do Maracanã.

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Sem comentários

  • Essa nostagia!!! Essa saudade!!! Tudo mais ingênuo e as emoções eram especiais e mais puras. Não tem essa de que o tempo passou para a gente. Não mesmo. Era uma época em que o Tempo escorria mais devagar e se conseguia ver a beleza das coisas com mais calma. Por isso, o Waldir Amaral podia narrar daquela forma

  • Oscar Rodriguez Barreneche disse:

    Seu artigo me transportou para os anos 70, quando costumava ir ao Maracaña com muita freqüência (desculpe mas me recuso a eliminar o trema dessa palavra). Nada melhor do que ver o jogo ao vivo, na arquibancada. Mas quando não era possível, “assistia” o jogo pela Radio Globoooo, com Waldir Amaral, Jorge Curi, João Saldanha (só uma época), Denis Menezes, Washington Rodrigues, e o nosso vizinho da Urca, Mario Vianna. Bons tempos!!!! E para não ser injusto, durante o pre-vestibular (estudava na parte da tarde) ouvia diariamente o programa Debates Populares com Haroldo de Andrade. Hoje em dia, radio só no carro, e 100% música (e publicidade). Um abraço!

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