Suburbonne

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UGF V

Depois de três anos estudando em Botafogo, me vi dentro do trem de subúrbio indo para a Piedade, décima segunda estação a partir da Central do Brasil. A princípio, até que não era problema. Eu ia de manhã, no contrafluxo e não pegava o trem cheio. Começava a cursar engenharia, confesso que com pouco entusiasmo. A universidade ficava na beira da linha do trem. Não tinha absolutamente nada de bonita, nem de imponente, um aglomerado de prédios e de gente, muita gente. Na época, a Gama Filho tinha dois apelidos: “Grana Firme”, que se aplicava principalmente para os alunos do curso de medicina, ou, para nós, “Suburbonne”, pois havia um grande preconceito em relação à localização. Fazíamos troça disso.

Foram quase dez dias de trote, no começo, coisa que me deixou um tanto apreensivo. Não via entusiasmo ou graça em nada. Não me sentia parte daquele cenário em nenhum momento. Como já contei aqui, depois de um semestre, resolvi que não queria estudar engenharia e me decidi pela economia. Fiz novo vestibular com uma única opção, a própria Gama Filho. Naquele início dos anos 1980 nos era dada a opção de escolher as faculdades e éramos classificados segundo a pontuação obtida na prova, nada muito diferente de hoje. Achei que lá seria bom.

Ao começar o curso de economia, foi como se houvesse uma transformação total de cenário e de atores. Encontrei-me como aluno e como membro daquela instituição. O curso não tinha nenhum grande nome no corpo docente. Para mim, o que atraía era o fato de que todos os professores tinham outra profissão; não viviam apenas de lecionar. Isso me entusiasmava, me colocava perto do que eu acreditava ser realidade.

Não participei de grandes turmas pela faculdade. No futebol de salão fiz algumas amizades que permanecem até hoje. Afinal de contas, a turma da economia incomodou um pouco o pessoal da educação física.

Cursei dois anos no turno da manhã e mais dois anos à noite, quando já trabalhava no mercado financeiro. Na primeira metade do curso, descobri o que queria fazer. Um professor da disciplina de Mercado de Capitais nos inscreveu em um desafio entre faculdades de economia que envolvia aplicações na bolsa de valores. Dentro da UGF, eu ganhei e decidi que aquele seria meu caminho.

Os últimos anos foram bem mais difíceis, a começar pelo transporte. Eu ia no fluxo, e por o pé no chão muitas vezes era difícil. Outras tantas, perdi a estação, ou porque era “expulso” antes do tempo, ou porque não conseguia sair na hora exata. É impressionante que trinta anos depois a situação ainda seja a mesma!

A jornada era cansativa, mas os professores tentavam manter uma vontade de vitória nos alunos que era interessante. Havia um espírito, mesmo que não explícito ou combinado, de defender o nome da instituição e melhorá-lo, principalmente para desvinculá-la dos carros-chefes, a medicina e a educação física.

Ler nos jornais sobre a falência total da Universidade Gama Filho é muito triste, qualquer que seja o motivo, ainda mais quando ele é escuso, pouco ou mal explicado. É degradante ver pessoas que podem ter perdido um tempo irrecuperável. Se houver alguma maneira de ressarci-las, isto deve ser feito de imediato.

Observo com atenção a tentativa de federalizar a universidade, como se fosse a solução, e ainda não sei o que seria melhor para os alunos. Infelizmente não tenho boa impressão sobre as pessoas do governo envolvidas na busca de uma solução, mas entendo o desespero dos que estão prestes a concluir seu curso e daqueles que não dispõem de recursos para se deslocar para outra instituição que os absorva. Sinto muito pelo descaso destes empresários, e gostaria muito que tudo se solucionasse para que a instituição se preservasse.

É engraçado constatar como as escolas em que estudei deixaram marcas mais profundas na minha pessoa do que a faculdade. Mas na UGF comecei a desenhar meu projeto de vida. Tenho orgulho de ter aprendido a ser profissional com aqueles que, com sacrifício, tentavam transmitir vivência, matéria que não faz parte de nenhuma grade curricular e que é fundamental para ser alguém e tentar ser feliz no que se faz.

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