Tem festa na rua

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Blocos I

Sou de uma geração que escapulia do Rio durante o carnaval. Serra ou praia? Essa era a grande dúvida para ocupar os quatro dias de festejos, período que podia se estender dependendo da grana e da companhia. Verdade seja dita: houve um período, lá pelos anos 1980 e 1990 em que os cariocas fugiam da sua maior festa.

Os salões dos tradicionais clubes se esvaziaram. A atração única era o desfile das escolas de samba, que ganhava cada vez mais cara de programa de gringo. Aliado à falta de segurança, tudo isso contribuía para que o carnaval perdesse o fôlego e para que o nativo se sentisse motivado a deixar seu habitat. Quem ficava encontrava menos gente na praia, nenhuma fila nos cinemas e pouco movimento nos restaurantes – aqueles que funcionavam, pois muitos simplesmente fechavam as portas.

Verdade que o carnaval de rua nunca deixou de existir. Até a Urca chegou a ter um bloco dos moradores, o Divina Providência, cuja eterna madrinha era a atriz e moradora do bairro, Henriqueta Brieba, que por conta de sua avançada idade desfilava num buggy. Mas ele não resistiu ao período de desinteresse.  Claro que em nenhum momento duvidei da força do Cacique de Ramos e do Bafo de Onça, verdadeiras instituições da cidade.

Mas, de repente, em algum momento da década de 2000, o carioca redescobriu o prazer de ocupar a rua. Os tradicionalíssimos Cordão do Bola Preta, Banda de Ipanema e Simpatia é Quase Amor se transformaram em verdadeiros imãs que atraem centenas de milhares de foliões. Pular num bloco de rua virou moda e parece que, a cada ano, em cada canto da cidade aparece uma novidade. Com a ajuda da comunicação via celular, ficou fácil saber qual é “a boa”. Em pouquíssimo tempo, um bloquinho despretensioso pode virar uma aglomeração, basta que a música seja boa e a frequência seja, digamos, bem florida.

O crescimento tem sido exponencial, impulsionado provavelmente por uma nova geração que tem o hábito de viajar com frequência e que fica de saco cheio (como todo mundo) de pegar cinco a seis horas de estrada para fugir do carnaval. O que começou como uma despretensiosa brincadeira de bairro se converteu numa grande atração tanto para os nativos quanto para os visitantes. As famosas histórias de sair de casa no sábado pela manhã e só voltar na quarta-feira podem ser revividas e sair do folclore; os amores e as traições de carnaval também estão de volta agora que tem bloco todo dia, toda a hora e em qualquer lugar da cidade.

blocos VII

Este ano, nada menos do que 500 blocos receberam autorização da Prefeitura para sair de 15 de fevereiro até depois do carnaval. Um folião animado já pode preparar sua agenda e começar os festejos já no próximo final de semana.

Os desfiles se transformaram num negócio muito rentável, por isso prevejo que eles estão aqui para ficar, com força total. Espera-se que sejam credenciados 4.000 vendedores avulsos de cerveja, refrigerante e água. A indústria de fantasias, máscaras e adornos, que vivia seus estertores perto de 2002, voltou a apresentar rentabilidade e a criar empregos temporários. Sem falar que muitas agremiações têm grandes patrocinadores, com distribuição de brindes, como ventarolas e viseiras, e servem de plataforma de lançamento de novos produtos. A arrecadação da cidade cresce e o lado business do carnaval ressurge das cinzas.

Esse é o lado positivo da história. Mas existe o outro lado, que é o acúmulo de lixo, o descontrole do trânsito, a dificuldade de mobilidade, com moradores que se sentem acuados em seus bairros, situações que demonstram que a Prefeitura precisa fazer melhor sua parte. A limpeza feita pela Comlurb deve ser mais intensa e mais eficiente, o que não acontece; faltam banheiros químicos e os mesmos deveriam ser removidos de forma rápida e limpa. Para a segurança geral, sente-se falta de uma presença mais efetiva da Guarda Municipal e também da PM. Como já dizia Milton Friedman, não existe almoço gratuito. Ou seja, para o negócio prosperar, existe um papel que deve ser cumprido pelo poder público. Caso contrário, há sempre o risco do nativo se cansar da balbúrdia geral e migrar para outras bandas.

É esperar para ver o que acontecerá com essa quantidade enorme de blocos na infraestrutura precária da cidade.

Pelo meu lado, já escolhi o meu bloco. É o Tá Pirando, Pirado, Pirou, criado em 2005 por profissionais, usuários, e seus familiares, do Pinel e Centro Psiquiátrico da UFRJ. Vou me encaixar bem nessa galera!

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