Aos sábados

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Feira livre I

Num dos primeiros sábados após a mudança para São Paulo, após uma temporada em Santos, fui acordado às 7h30 pela minha esposa com um pedido novo.

– Vem à feira comigo?

Estávamos casados havia pouco mais de um ano. Invoquei toda a educação recebida, toda a delicadeza com que sempre tratei minha mulher e, mesmo sonolento, respondi:

– Deixa só eu tomar um banho rápido e já vamos.

– Tá bom. Minha mãe disse que é sempre bom chegar antes das 9h para pegar as verduras, legumes e frutas boas.

Juro que não quis mal a minha sogra naquele instante, mas foi por um triz.

No banho, lembrei que ajudava minha mãe aos domingos na microfeira da Urca, onde as compras ficavam separadas desde cedo. Afinal de contas, depois de trinta anos frequentando as mesmas barracas, ela e outras moradoras antigas tinham algumas regalias.

Não podia imaginar uma feira muito diferente daquela no bairro onde nasci. Havia outra que eu também frequentara, muito famosa, que existe até hoje no Morro da Viúva, cujo cheiro de peixe invadia as cercanias. Antes mesmo de tomar café, depois do banho, eu já ficava com o estomago virado só de lembrar. Nos Estados Unidos, meus pais fizeram amizade com uma senhora indiana. Quando ela veio ao Brasil e conheceu essa feira, chegou a chorar comendo jaca, manga, fruta-do-conde e outras coisas que também existiam na Índia, onde ela não ia havia anos.

Mas eu me disperso. Voltemos a minha nova feira, em São Paulo. Não tínhamos carro e ela ficava no local onde hoje existe o Parque do Povo, ao final da ponte Cidade Jardim, a uns quinze minutos de taxi. Chegando lá, ficamos espantados como crianças (e praticamente éramos, ela com 23 anos e eu com 26). Como era bonita a arrumação das bancas! Era impressionante a cor das frutas e verduras expostas.

Neste ano de 2014 as feiras livres completam 100 anos de autorização em São Paulo, dada pelo então prefeito e depois presidente Washington Luis. No Rio de Janeiro, elas foram regularizadas há 110 anos pelo importante prefeito Pereira Passos, que sancionou as regras de higiene, limpeza e funcionamento, obviamente raramente seguidas nas duas cidades e por todo o país.

Na arrumação das barracas, há toda uma estratégia de venda que aprendi no livro Dias de feira, de Julio Bernardo, filho de feirante, ex-feirante e agora chef de cozinha, editado pela Cia. das Letras. Os peixes e carnes em geral ficam ao final para não passar o cheiro desagradável para o resto das mercadorias. São as últimas barracas a serem montadas, para garantir o frescor das peças. Já as verduras e frutas chegam perto do amanhecer, quando aparecem os primeiros fregueses. Na extremidade oposta às carnes em geral fica o famoso pastel oferecido pelos feirantes orientais, uma inovação dos anos 1970, nascida em São Paulo e exportada para o resto do país.

Feira livre IV

Na nossa primeira visita a uma feira paulistana tivemos que nos controlar, pois queríamos levar todas as frutas, mas não havia dinheiro para tudo. Devo lembrar que em 1985 a inflação já mostrava sua face mais perversa. Além disso não havia braço para tanto também. Não havíamos comprado carrinho ainda, mas parecíamos crianças diante de tanta cor, cheiros e gostos novos, pois todos os feirantes ofereciam provas de seus produtos.

A partir daquele sábado, não só passei a acompanhar minha mulher como a visita à feira acabou se tornando um programa imperdível quando recebíamos as respectivas famílias. Todos se divertiam com aquele mundão de cores e comidas nunca vistas no Rio.

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Sem comentários

  • Solange disse:

    Sem problemas Mauro…. Não uso muito o Twitter e não conheço como funciona. Seus textos são bons … Pode usar.

  • Solange disse:

    Oi Mauro , adorei o seu texto. Eu também gosto do clima das feiras de rua e costumo levar amigos, que vem de fora do país, para comer pastel de feira. Só não entendi porque fui citada no seu Twitter ….. Abraços

  • JOSE ROBERTO disse:

    Caro amigo,comecei ,quando menino,a trabalhar na feira e hoje com quase 60 anos,faço a mesma todo o sabado aqui em Santos,mas a minha maior saudade é quando eu ia ao varejão do Ceasa na Vila Leopoldina,bairro que residia.abraço

    • maurogiorgi01 disse:

      Zé, como disse no texto, aprendi a ir a feira em SP, e de volta ao Rio, na feirinha aqui da urca aos domingos, sempre dou uma passada nem que seja para cumprimentar amigos e pais de amigos. É sempre uma festa ir a feira. Abraços.

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