Cena de um casamento

— Você ainda tem ciúme de mim, querido?

— Ciúme é um sentimento dos inseguros.

— Como assim?

— Você escutou e entendeu.

— Então toda aquela história de saia curta, decote e batom vermelho era mentira?

— Prá te conquistar.

— Você sabe que isso é uma maneira de traição.

— Não, não é.

— E agora você acha que está tranquilo, sem possibilidades de ser corno.

— Sempre fui seguro.

— E se eu disser que te traí três vezes.

— Pedro negou Jesus o mesmo número de vezes e não deixou de amá-lo.

— Está se comparando a São Pedro?

— Sempre fui seguro.

— Você não deve estar batendo bem da cabeça.

— Tá na hora de acabar com essa frescura de ciúme. Já somos quarentões, doze anos de casados, dois filhos. Faça-me o favor!

— Então agora vou fazer tudo que você dizia que não gostava que eu fizesse. Para os meus quarenta anos, estou bem melhor que você.

— Pois faça. Vou admirar, não me incomodarei e estarei sempre ao seu lado, se você quiser é claro.

— Agora tá ameaçando se separar?

— Eu não. Você é que quer mudar e é livre para isso.

— Então não tem graça. Bom era quando você reclamava.

— Já disse, eu reclamava pra te conquistar.

— Então vou colocar silicone. E você vai pagar!

— Claro! Vai ficar ainda mais bonita!

— Será que nada te abala? Você não sente mais nada por mim?

— Te amo, mas você sabe. Sou um homem seguro.

— Preferia a versão insegura. Eu me sentia mais valorizada, desejada, amada.

— E o que mudou?

— Agora sei que você é “seguro”. Sem cena de ciúmes, sem birra…

— Já não somos mais adolescentes. Você é maravilhosa e nunca haverá outra igual!

— Acho que vou acreditar.

Ela sai para buscar as crianças em uma festa de aniversário. Ele, garantida a fama de seguro de si, corre para a janela para ver se tem alguém olhando para ela. Antes de sair, ela passou aquele batom vermelho.