Lalinha

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— Meu Deus! Acordei mulher!

Não sei se gritei ou não. Espero alguma manifestação da vizinhança. Nada acontece. Ainda bem que estou sozinha, dormi sem calcinha. Como pode uma coisa dessas? Estou pensando como mulher!

Na frente do espelho, examino minhas formas e vejo que não rejuvenesci. Sou uma mulher de meia-idade.

E a família? Sou mãe? Fui casada comigo mesmo?

Vou enlouquecer!

Após o banho, abro o armário e vejo roupas de trabalho. Sou tradicional, nada de muita exibição. Ainda bem. Já está difícil me entender. Imagina se eu fosse perua!

Começo a escolher a roupa e fico indecisa. Nossa! Acho que sou mesmo mulher. Experimento três combinações de saia e blusa e dois pares de sapato. Isso me enerva mais ainda.

Toca o telefone. É minha filha.

— Oi mãe, tudo bem? Almoçamos conforme o combinado?

— Sim…claro. — Titubeio…– Onde filha?

— No lugar de sempre, uma hora da tarde, ok, beijo, tchau!

Não consegui nem saber onde era. Mais um problema na minha vida. E eu sigo pensando como mulher… Onde já se viu não saber onde é o almoço ser um problema? Simples: ligo para ela e pergunto. Invento que esqueci, pronto.

Ai. Mas aí o que ela vai pensar?

Vou trabalhar maquiada ou não? E eu lá sei me maquiar?

Nossa! E estou atrasada!

Entro no taxi, me olho no espelhinho da caixa de pó compacto. Hum. Essas bolsas embaixo dos olhos…  Preciso tirá-las nas férias.

— Pra onde, dona?

— Rio Branco com Ouvidor, por favor senhor.

Que endereço é esse? Onde trabalho, o que faço?

Vejo o crachá na bolsa. É de um banco. Sou auxiliar de gerente. Na meia- idade e ainda auxiliar de gerente. Quando eu era homem, era mais graduado. Até quando as mulheres serão discriminadas? E agora? Ainda por cima virei feminista…

— Bom dia Sr. Arlindo.

— Bom dia D. Eulália.

Eulália! Não. Meus pais não podiam ser os mesmos que conheci. Eles não teriam me dado esse nome.

— Bom dia Cláudio.

— Bom dia Lalinha.

Ah, esse estagiário é um gatinho. Lalinha? E eu elogiando um estagiário? Estou enlouquecendo. Há quanto tempo me separei? Quem teria casado com uma Eulália?

Minha filha no telefone.

— Oi querida, o que foi?

— Mãe, não posso almoçar. Desculpe, surgiu uma novidade no trabalho e preciso ficar. Mas amanhã você vai comigo na última consulta do obstetra, não é? Nem acredito que nasce na próxima semana.

— Vou? Vai nascer?

— Mãe, você está bem? Desde a última conversa sua com o papai, você anda um pouco aérea. Entendo que você tenha ficado chocada por ele se casar com a minha amiga, 35 anos mais nova que ele, todo mundo ficou, mas passa… Um beijo, até amanhã.

Estou enjoada, acho que vou desmaiar. Eu me chifrei com uma amiga da minha filha. Vou para o inferno sem direito a recurso algum, e na próxima reencarnação volto como político no Maranhão.

— Bom dia D. Eulália. Tudo bem? Está pálida.

— Tudo bem Sr. Augusto, um pouco indisposta, mas nada demais.

— Vamos para a reunião com o cliente?

– -Vamos?

Santo Deus. E agora?

Na reunião, faço uma explanação sobre os produtos do banco, sou elogiada pelo cliente que fecha algumas operações. Recebo cumprimentos do Sr. Augusto e sou convidada para almoço com a diretora. Fico nervosa. Todos me olham entre apreensivos e consternados. Não entendo.

— D.Eulália?

— Oi Virginia. Vamos almoçar.

É ela que vai casar comigo. Quer dizer, com meu ex-marido.

 

Despertador toca forte, desligo e penso no sonho. Que louco! Ainda não entendi se eu era homem ou mulher. Que pesadelo.

Paro diante do espelho e penso alto:

— Lalinha você está ótima! Não há idade melhor que os trinta anos.

Então me lembro:

— Que saco! Vou ter que aturar a Virginia hoje, falando do ex-marido. Coitada. Trocada por outra muito mais nova.

Como mulher sofre na meia-idade.

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