Eu costumava vê-la pelo menos três vezes por semana naquela padaria, ali na região da avenida Paulista com Consolação. Visivelmente, o lugar já vivera dias melhores, mas era honesto, limpo e de preços razoáveis. Pão na chapa e café puro, pediam os dois. Muitas vezes tentei fazê-la aceitar o meu pedido, quando eu era servido primeiro, mas na verdade mal conseguia começar a falar. Na época, eu morava sozinho, desabava na depressão e não sabia bem o que fazer.
E ela sempre aparecia de óculos escuros, com ou sem sol, roupas simples, nenhuma maquiagem. Os únicos enfeites eram um anel minúsculo na mão direita, brincos de bolinha dourada e uma medalha que lembrava aquelas de batismo pendurada numa corrente fina.
Arrisquei dizer “bom dia” algumas vezes. Sempre fui ignorado.
Por absoluta falta de dinheiro, fiquei um mês sem passar na padaria. Voltei lá num sábado de muito sol e calor. E lá estava ela de novo. Dessa vez, recebi um “bom dia” e nem consegui responder. Enquanto eu oscilava entre o espanto e a alegria, ela foi embora.
Voltei a frequentar a padaria para meu café solitário.
Certo dia, surgiram comentários quando eu estava com o jornal na seção de TV. Ela falou da novela que eu não via e que passei a ver, é claro. A solidão me fazia criar na cabeça os mais variados enredos. As frases curtas passaram a ser mais frequentes. Talvez até pudessem constituir diálogos, pois eu pouco falava durante o dia. Minha mente tecia cada vez mais situações. E eu não tinha nem ideia do seu nome.
Num daqueles dias em que eu já havia passado mais de 24 horas sem trocar palavras com ninguém que não fizesse parte da minha imaginação, fui até a padaria para tomar um café no final do dia e espantar um pouco a fome. Encontrei-a lá, pedindo alguma coisa para viagem. Ela me olhou e sorriu como se estivesse feliz por ter me encontrado. Eu estava tão enredado pelas histórias criadas pela minha imaginação que, atordoado, consegui apenas balbuciar “eu te amo”.
Nunca mais a vi.
Por que será que ela não voltou mais? Por sua causa? Por causa dela? Pelo café? Ou pelo pão? Agora ela nunca aceitou a sua oferta de ser servida primeiro, ou falou diretamente com você porque (quem sabe) quem falava ou se mostrava a você era a sua angústia projetada na inocência de uma pessoa.
Talvez ela tenha sumido simplesmente porque você está se recuperando e não precisa mais dela… Boa sorte e felicidades amigo.
Ou quem sabe nunca existiu, era produto da imaginação.
Obrigado