Passeio displicente pelo shopping, olhando as vitrines com roupas de outono-inverno. De repente, vejo uma que aparentemente ignora a mudança de estações e contraria tudo com seu slogan: “Todo dia é dia de bermuda”.
Sorrio. Lembro-me de quando voltei ao Rio, há alguns anos, meu guarda-roupa incluía shorts para caminhar e correr, mas nenhuma bermuda. É verdade que eu já tinha sandálias Havaianas, outro item indispensável do figurino local, mas estava com pés tão brancos quanto os de um russo em pleno inverno.
Fui morar em São Paulo em 1984 e por isso não sei ao certo em que momento a cidade adotou como combinação obrigatória o trio Havaianas-bermuda-camiseta, mas é certo que não existe nada mais adequado ao clima local. Como tudo por aqui é oito ou oitenta, esse trio comparece até em velórios e em compromissos de trabalho no centro da cidade. Acho que poderia haver um traje opcional.
De tanto ouvir que era fundamental ter uma bermuda, saí à caça de uma peça que pudesse combinar o meu gosto à minha estatura de pivô de basquete de bolso. A primeira constatação foi de que o termo “bermuda” era uma mera referência linguística, pois tudo o que eu via nas lojas eram calças compridas cortadas mais ou menos cinco dedos abaixo do joelho. Não brigo com a moda, mas tento me adaptar para não parecer ridículo. Já não tenho idade para andar por aí com calças de cintura baixa que expõe metade da bunda aos olhares incautos. Também não tenho porte físico para usar modelos com diversos bolsos laterais que lembram macacões de carpinteiro americano ou mecânico de automóveis. Entrei em diversas lojas em que fui assistido por vendedores solícitos que tentavam me ajudar. Percebiam minha dificuldade e deixava que eu desistisse sozinho. Por sorte, recebi ajuda de minha filha mais velha, durante uma de suas visitas ao Rio e acabei achando modelos que se encaixaram ao meu gosto e às minhas necessidades.
Resolvido o problema da bermuda, percebi que manter aquele pé de coloração transparente não combinava com o código de vestimenta da cidade, nem condizia com o fato de que eu havia morado durante 25 anos a cem metros da praia. Decidi enfrentar a questão diretamente. Comprei protetor solar e, na praia, passava-o nos pés, para espanto de alguns que estavam ao redor.
No meu primeiro verão de volta, eu já estava completamente aclimatado. Ainda bem, porque provavelmente teria suado como se estivesse em uma sauna caso mantivesse a rotina de jeans com tênis e meia todos os dias.
Às vésperas do terceiro inverno na cidade – ou melhor, de menos verão – mantenho as Havaianas para a temporada de calor infernal. Assim, tenho sempre que fazer uma preparação da cor do pé quando a melhor estação se aproxima. Confesso que mesmo depois desse tempo conservo algum ranço paulistano no quesito vestuário e ainda me espanto com tamanha informalidade. Além do mais, sinto até certo receio no que diz respeito à higiene, pois frequentar banheiros públicos – mesmo de shoppings, — com sandálias de dedo é tarefa para os fortes ou para os desavisados. Vou me adaptando aos poucos aos hábitos da cidade, que para mim ainda parecem novos, sempre levando em conta que visam o conforto, porque não existe ninguém que preze mais esse aspecto do que o carioca.
Posso até não concordar totalmente com o slogan da loja do shopping. Mas já compreendi que no Rio de Janeiro é possível que todo dia seja mesmo dia de bermuda.
Muito bom o seu texto, como os outros três que li.
Sou carioca de nascimento, morei ai até os meus 23 anos. Atualmente estou morando em Minas Gerais, aqui devido ao clima, os cariocas são obrigados a usarem roupas. E não é exagero meu, pois aqui faz frio, mesmo no verão.
Voltei ontem da minha cidade natal, e tenho que confessar, apesar de gostar dessa cidade, os cariocas são muito mal vestidos, deselegantes e com ar desleixados (claro que existem as exceções), mas como carioca que sou e que está fora por 14 anos, é desagradável a vista certas coisas…Ai você vai dizer: Mas aqui é quente pra burro! Eu sei, estive ai também em Janeiro, 50 graus à sombra.
Mas tentar se vestir um pouco mais elegante, mesmo com roupas fresca faz bem pra quem as usa e pra quem observa.
Obrigado por ler os textos, e realmente você tem razão quando diz que os cariocas as vezes parecem desleixados. Mas agora, isso está no DNA do povo que será difícil mudar.
Abraços
Republicou isso em Tudo Sobre Tudoe comentado:
Como se readaptar ao informal código de vestimentas do carioca…
Excelente artigo Mauro. Eu que estou passando mais tempo em Miami do que antes, também adotei a bermuda; uma necessidade neste calor e humidade. E vindo do México (guarda-roupa parecido a São Paulo), no início não foi fácil mostras as minhas “belas” pernas. Agora Havianas não dá… Não é para mim. Um abraço!
Oscar, havaianas só para ir a praia, mas eu vejo a molecada indo pra faculdade assim e me divirto. Já passaram da descontração para o esculacho…abraços.