Pingado ou macchiato?

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Novos Cafés I

Desde criança, observei meu avô e meu pai tomando parte do hábito nacional da pausa para o cafezinho, principalmente quando estava com eles no centro da cidade. Um pouco mais tarde, quando estudava no Colégio São Bento, comecei a reparar mais detalhadamente aquele ritual que acontecia em torno de balcões de fórmica. De pé, aguardava-se o serviço. Antes, pagava-se pela bebida no caixa e recebia-se uma ficha de plástico. A pequena xícara ficava mergulhada em água fervente e era colocada sobre um pires de metal. Um atendente vinha servir a todos com um bule de cabo de madeira, sempre com um pano prá lá de encardido amarrado nele. Infalivelmente o açucareiro exigia que se batesse na “bundinha dele”, deixando cair açúcar demais ou de menos, nunca o que se queria. Adoçante era o Suíta, só em gotas, encontrado em uma embalagem de plástico azul claro. Enfim, sofisticação zero.

Diante do balcão, todos eram iguais, estivessem de terno ou não. Quer dizer, todos os homens, porque sempre havia pouquíssimas ou, melhor dizendo, nenhuma mulher. Todos assumiam a mesma posição, com as pernas para trás e o tronco levemente inclinado, segurando as asas das xícaras quentes com as pontas dos dedos. Eu sentia vontade de rir ao ver, invariavelmente, aquele dedo mindinho levantado.

Quem viajava para Buenos Aires costumava se encantar com os cafés portenhos, inspirados nos parisienses, onde nossos vizinhos argentinos costumavam parar e ver a vida passar. Nós, os turistas brasileiros, nos encantávamos com a experiência de sentar calmamente à mesa e experimentar o que era uma completa novidade para a gente: cappuccinos, macchiatos e submarinos (leite bem quente com uma barra de chocolate mergulhada que derretia aos poucos). Mas esse estilo de estabelecimento nunca veio para cá.

O tempo passou e o que vimos foi a chegada dos modernos cafés à moda americana, com mesinhas disputadas por homens, mulheres, adolescentes, que escolhem navegar em seus tablets ou smartphones, ler os jornais ou revistas da semana. Não são parisienses, não são portenhos, mas são muito bons. Diante de um cardápio diversificado e de boas mesas e poltronas, o brasileiro se acostumou rápido ao novo padrão. Mas isso não significa a morte do cafezinho tradicional nem do “pingado”. Talvez tenham mudado de nome, ganhado sofisticação e encarecido, é verdade

Sem dúvida, algo se perdeu. Aquele hábito de tomar o cafezinho de manhã, depois do almoço e no final do dia sempre no mesmo local transformava o freguês em um conhecido, com direito a ocasionalmente “pendurar” a conta e pagar no dia seguinte, ou mesmo deixar pago o café do amigo de sempre que naquele dia não pôde vir. A troca de comentários rápidos sobre futebol, política e as últimas fofocas foi substituída por leituras, curtidas nas redes sociais e papo com os amigos a qualquer hora. Pode ter se tornado algo mais impessoal. Em compensação, é muito bom encontrar conforto para apreciar a bebida com mais calma. E mesmo nos tempos corridos de hoje, aqueles que realmente apreciam um bom café quente e uma leitura diária costumam se reconhecer.

 

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