Recentemente, fui buscar uns documentos na casa de uma amiga. Até chegar diante do seu prédio, eu não havia atinado realmente onde me encontrava. Parei na porta e percebi que era o lugar onde eu morara desde meu nascimento até ter uns nove anos de idade. Ali na frente, naquela rua, bati minhas primeiras peladas pela Urca. E veja só, era calçada por paralelepípedos!
Entrei no pequeno prédio de três andares e tive uma sensação boa de estar voltando à infância. As escadas, que no passado me pareciam largas e imensas, na realidade são estreitas e curtas, com lances de oito degraus em mármore. Quando os revi, estavam um pouco gastos, mas conservavam a brancura. Lembro-me de, diversas vezes, ao apostar corrida com meu irmão, bater com a canela num deles. A dor era lancinante. O machucado a princípio ficava branco, quinze minutos depois evoluía para o roxo e se transformava em um calombo. Minha mãe embebia um chumaço de algodão em arnica e aplicava ao local. Lembro-me do cheiro da arnica e adorava quando ela cuidava de mim desse jeito. À medida que subia a escada, ri sozinho das impressões de criança e da realidade de adulto.
As portas dos apartamentos continuam as mesmas. Sempre achei e continuo achando que são escuras demais. Pelo visto, se estão ali há pelo menos 55 anos é porque são de boa qualidade. A distância entre a entrada de cada apartamento é pequena demais! Para mim, eram diversos passos, e não são mais do que quatro!
De fato, viajei no tempo ao entrar no pequeno prédio e subir suas escadas. Quando minha amiga abriu a porta de seu apartamento, reparei que ela conservava o mesmo piso de tacos. Fiquei com os olhos cheios d’água. Existe algo mais idiota do que ficar assim por causa de um piso de tacos? A vista do apartamento é extraordinária. Além de se ver a Urca do alto, parecendo uma aldeia bem arborizada, a janela se abre para uma imensidão que vai desde o Corcovado até o aeroporto Santos Dumont. Passar o dia ali sentado vendo o movimento seria uma viagem ótima!
Não tive coragem de pedir para ver o quarto, mas meio de esguelha, vi a microcozinha onde minha mãe cozinhava. Lembrei que ela usava um fogão Cosmopolita branco com a parte de cima preta. A geladeira era pequena, uma Frigidaire, cujo símbolo era um esquimó.
Peguei o que era meu, me despedi e desci as escadas para ir embora. Deixei o pequeno Mauro lá dentro, de short, camiseta e conga, com cabelo cortado como reco, orelhas de abano e sorriso banguela.
Era feliz demais e sabia. E hoje, mais do que nunca, sei disso.
Simplesmente maravilhoso esse conto. Me senti também voltando ao passado.
Obrigado mais uma vez.