A listinha das filhas

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Abercrombie & Fitch opens its London Store, 2007

As listas de pedidos das minhas filhas quando eu viajava para os Estados Unidos nunca foram extravagantes em termos de valor, mas sempre me pregaram algumas peças. Nunca me incomodei de fazer essas vontades, desde que não fossem pedidos esdrúxulos ou coisas de meninas mimadas.

Certa vez, pediram-me para trazer chicletes de sabores novos, balas diferentes (Ah, o dentista me adora!), lápis variados para a coleção, calças jeans da marca Seven e roupas da Abercrombie & Fitch, que estava no auge da moda. Elas tinham entre dez e catorze anos na época.

Passaria oito dias em Nova York. Fiz a minha programação de trabalho reservando períodos para as compras. Além das encomendas das meninas, eu aproveitaria a viagem para adquirir seus presentes de aniversário, sugeridos pela mãe.

Para não perder muito tempo dentro da Abercrombie & Fitch, resolvi fechar logo a questão no dia seguinte á chegada. Tinha um compromisso às 10h30 e decidi estar a postos tão logo a loja abrisse. Ao chegar na porta cinco minutos antes da abertura, me senti um outsider. Adolescentes e jovens me olhavam como se eu fosse uma criatura sobrenatural. Eu estava de paletó e gravata, com uma pasta na mão, e me dei conta que talvez achassem que eu estava ali para fechar a loja! Com um olho no relógio e outro na lista com os três pedidos das filhas, entrei um pouco depois da avalanche humana.

Lá dentro parecia um breu. Não, eu não estava de óculos escuros. Digamos que a loja tinha uma iluminação diferente. Eu não enxergava muito bem a numeração das roupas. Não tinha condições de fazer qualquer pergunta a ninguém, pois a altura do som era ensurdecedora e o gosto musical do DJ não era nem próximo do meu.

Enquanto eu buscava o segundo pedido, percebi um certo alvoroço perto de mim. Virei-me para ver o que era. Um modelo vivo, um rapaz de jeans, sem camisa, com quase dois metros de altura, levava as adolescentes a soltar gritinhos histéricos. Tive que rir. Estava entretido à procura da última peça solicitada, quando encarei o segundo modelo vivo: uma moça com um short muito pequeno (pequeno mesmo!), tão alta quanto o rapaz, só que com menos da metade do peso dele. Não, não estava sem camisa. Usava à guisa de top o soutien de um biquíni com a bandeira americana. Realmente, o comércio havia mudado muito e minhas filhas estavam crescendo.

O único momento em que minha roupa ajudou foi na hora do pagamento. Mais que solícita, uma funcionária olhou para mim, abriu um caixa e me chamou para ser atendido. O último round dessa batalha foi conseguir uma sacola pequena e discreta, para não chegar à reunião transformado em garoto-propaganda. Mas valeu a experiência de fazer compras quase que pelo método Braille, correndo o risco, de quebra, de prejuízos permanentes à minha audição.

À medida que andava pela cidade para cumprir meus compromissos, entrava  em lojas e drugstores para comprar as balas, chicletes e lápis “diferentes”. No quarto dia de viagem, meu quarto do hotel cheirava a melancia e kiwi.

Roupas em viagem IV

Faltava os jeans da tal marca. Fui na Sak’s onde achei que encontraria e, depois de rodar pela loja durante uns quinze minutos, fui informado que deveria me dirigir ao quinto andar. Como sempre, trajava minha indumentária-padrão. Chegando ao local, vi quatro ou cinco bancas com centenas de calças, cercadas por pessoas pegando, olhando e colocando ou não no lugar certo, dezenas de modelos diferentes. E eu ali, inocentemente, segurava um pedaço de papel cor de rosa escrito por minha filha mais velha com a numeração dela e da irmã. Acho que meu olhar desolado causou piedade em uma vendedora que, educadamente, se aproximou, pegou o papel da minha mão e voltou com dois modelos de cada tamanho. Quase caí de joelhos em sinal de agradecimento.

Cumprido totalmente o papel de pai em viagem ao exterior, arrumei as malas e voltei feliz por ter conseguido tudo o que elas queriam. Ah, em termos de trabalho também correu tudo bem. Mas a melhor parte da viagem  veio quase uma semana depois da minha volta. Depois de sair com as amigas de roupa nova, a mais velha chegou em casa dizendo:

— Você é o único pai que conheço que sabe comprar roupa para as filhas!

Nada mais a declarar.

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