Amizade antiga

0 Flares Twitter 0 Facebook 0 Google+ 0 LinkedIn 0 Email -- 0 Flares ×

Isabella III

Lia-se no email:

“Pai, por favor, faz a revisão do meu trabalho de fim de curso? É sobre fusões e aquisições, do ponto de vista jurídico. Obrigada, beijos, te amo!”

Era da minha filha mais velha. Como acontecia entre meu pai e eu, além de outros tantos vínculos, também mantemos esse tipo de conversa “profissional”. Essa cumplicidade vem de longe. Quando tinha uns dois anos, lá pelas seis e meia da manhã eu a ouvia se remexer no berço e chamando para que alguém lhe desse a mamadeira. O sorriso que eu recebia ao entrar no quarto era um presente diário, embora eu saiba, claro, que uma parte dele era para a mamadeira. Mas um pedaço dele era só meu. Aqueles olhos pretos me olhavam enquanto ela mamava e eu conversava com ela. Lembro-me dos primeiros passeios que fizemos sozinhos ao parque do Ibirapuera. Íamos a pé, sem levar muita coisa, porque a ideia era se virar por lá mesmo. De novo, conversávamos. Na verdade, “conversar” não seria o verbo correto e sim  “responder”. Como me fazia perguntas!

A pequena chegou ao mundo depois daquilo que o médico descreveu como “uma gravidez de livro”. Estávamos casados havia sete anos e adotáramos São Paulo como cidade para viver. Nos sentimos acolhidos. Tudo correu com tranquilidade, mas como estávamos escaldados por experiências anteriores, foi estabelecido que a mãe deveria passar os últimos cinco meses antes do nascimento em repouso. Neste período tirei graduação e pós-graduação na função de “dono de casa”. Nas horas vagas e nos finais de semana, passei a frequentar lavanderias, açougues, padarias, supermercados e cuidar de todos os detalhes da administração doméstica. Incorporei a minha rotina diária tarefas não muito apreciadas como cozinhar, fazer a cama, varrer a casa, manter a limpeza dos banheiros. Era necessário.

O parto foi marcado para uma sexta-feira de um outono frio, como manda o figurino paulista. Optamos por marcar para permitir a presença das famílias, vindas do Rio de Janeiro, e também porque tínhamos medo. Na véspera da grande data, a mãe se regalou com um jantar de gala, pois teria de controlar sua alimentação nos meses seguintes de amamentação.

Na maternidade, um último beijo de boa sorte e ela partiu para a sala de parto, enquanto quase vinte pessoas, entre amigos e familiares, se aglomeravam em uma sala de espera. Sem a tecnologia de hoje, as notícias só chegavam com a ajuda de uma enfermeira.

Como houve, durante a gestação, necessidade de fazer diversos exames, aquela altura já sabíamos que esperávamos por uma menina. Não contamos para ninguém, mas também não aceitei apostas. Ria muito dos palpites baseados em mitos e crenças relacionados ao formato da barriga, da leitura de pêndulos e coisas assim.

Eram quase dez horas da noite quando se abriu a porta do corredor que leva até as salas de parto da tradicional Pró-Matre, na Avenida Paulista e a enfermeira apareceu com uma menina tranquila, enrolada de uma maneira que só elas sabem fazer, e a exibiu para mim dizendo:

— Linda, quietinha e perfeitinha.

Exclamações, algumas vozes mais altas e choro saudaram a chegada da nossa menina. Depois, eu descobriria que estava diante de uma das mais doces crianças, mais fortes adolescentes, e mais cuidadosas e inteligentes pessoas que conheci e conheço.

Muitas e muitas vezes fui pego de surpresa com carinhos inesperados, com conversas gostosas, com sua preocupação constante comigo e pelas conquistas importantes que ela fez em tão pouco tempo de vida.

Não é só orgulho. Sinto uma profunda admiração além de um amor incondicional por essa moça que é minha filha mais velha.

Feliz aniversário, filha!

0 Flares Twitter 0 Facebook 0 Google+ 0 LinkedIn 0 Email -- 0 Flares ×

Sem comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *