Nasci e cresci na Urca, um pequeno bairro da zona sul do Rio de Janeiro, às margens da baia de Guanabara. A área reduzida não impedia a existência de toda uma galeria de personagens que faziam tanto parte da paisagem quanto o Pão de Açúcar. Quando criança, os mais populares eram Cabeleira, o sorveteiro da Kibon, e Bené, o pipoqueiro, que ficou tão famoso que chegou a ser citado por Arnaldo Jabor em algumas crônicas. Cabeleira aparecia por volta das duas da tarde e posicionava sua carrocinha sempre na mesma esquina. Além dos picolés, ele também oferecia chocolates, jujuba e pirulito. Bené, por sua vez, também chegava à tarde e, de noite, seguia para Praia Vermelha onde sentava posto junto da carrocinha do cachorro quente Geneal.
Na adolescência, a turma se reunia perto da banca de um jornaleiro que ganhou o apelido de Bambolini. Naquela época, a grande maioria das bancas era comandada por italianos. Um amigo o apelidara assim por causa de um filme italiano, Segredo de Santa Vitória, com Anthony Quinn e Anna Magnano, que fomos ver. Nunca soubemos seu nome verdadeiro, mas até nossos pais o chamavam pelo apelido e alguns, mais cerimoniosos, sem saber da história, o chamavam de “seu” Bambolini.
Quando já podíamos beber, lá pelo final dos anos 1970, as coisas eram um pouco mais difíceis do que hoje, não havia tantos lugares assim para beber e os pais não liberavam dinheiro de maneira fácil. O dono do botequim Tabajaras, que hoje é o famoso Bar Urca, atendia pelo nome de Bigode, fazia fiado algumas vezes, e outras tantas servia de mau humor, enfim, o suficiente para se tornar folclórico, pois dificilmente dava um sorriso. Enveredando pela seara das substâncias proibidas, ficou conhecido um vendedor de frutas carameladas, basicamente uvas, que pedalava pelas ruas vazias do bairro às onze da noite com a caixa de doces com um fundo falso. Gritava “grapes, grapes”, o que obviamente deu origem à sua alcunha.
Depois de voltar de São Paulo, onde morei durante 28 anos, ainda me lembro de todos com carinho quando passeio pelas ruas da Urca. E me lembro também de outros que tinham um menor apelo para mim. Havia, por exemplo, o peixeiro que andava com uma balança de correntes que me fascinava quando criança e que embrulhava o pescado em jornal. E o padeiro que entregava leite e pão pela manhã na sua carrocinha azul e branca e que também oferecia um delicioso pão doce. Também convivíamos com seu Vítor, dono do armarinho, e seu Calixto, dono da venda que usava o caderninho para cobrar os fregueses ao final do mês.
Sem ser saudosista, constato facilmente que os tempos mudaram apesar do bairro ter mudado pouco de aparência. As pessoas andam menos na rua, as crianças deixaram de jogar futebol e bolinha de gude na praça. Mas os moradores mais antigos ainda têm um encontro marcado todo o domingo de manhã: a feira.
Olá Mauro e pessoal do Blog!
Vivi na Urca de 1961 a 1970.Minha infância toda.Estudei no Cristo e foi muito legal saber de todas essas pessoas q passaram nas nossas vidas.Vcs lembram do Badia?Um senhor q vendia,sonhos,pirulitos? E as brincadeiras de rua na Roquette Pinto?Eu queria muito saber notícias de um amigo.Ele chamava Claudio q morou na S.Sebastião e depois na Ramon Franco.Vcs conhecem? Eu não sei o sobrenome .Obrigada.
Morei na Urca de 1952 / 1958 .lembro da escadinha onde nadavamos,do Bili , do Pisca, Sonia ,Sandra,poxa tanta gente muito amiga
É possível que sejamos contemporâneos, eu mais velha do que você (nasci em 1950, na Urca, e lá morei até 1984). Foi bom ler seu post e me lembrar da maioria das pessoas que você citou.
Um abraço.
Bia
Adorei essa viagem ao passado. Realmente a Urca é única … Por isso é que nós só damos cidadania a umas poucas e muito seletas pessoas. Gostaria de incluir alguns outros personagens. O Guigui, honorável consumidor de água que passarinho não bebe, e companheiro inseparável de um pequeno cachorro (acho que se chamava Tombi) que também bebia o produto. O Seu Carlos, o açogueiro espanhól cujo açougue ficava do lado da Garota da Urca. Era um trabalhador incansável, com uma grande capacidade de te empurrar todo o tipo de carne, normalmente cheia de gordura. O Seu Raúl, borracheiro português da Marechal Cantuária … Todas as bicicletas da Urca passavam pelas mãos desse cavalheiro, que por sinal cobrava bem caro. Não podemos esquecer do Monsenhor Barbosa, que filava rango na casa das senhoras católicas do bairro, e o Padre Nogueira, português rabujento que teve um derrame mas continuou rezando missas normalmente. E a Dona Ivone, fundadora e diretora do Externato Cristo Redentor, colégio em que grande parte dos Urcanos estudamos. Tinha o Mario Vianna, com sua invejável barriga e com sua forma única de jogar volei de praia. Poderiamos mencionar também figuraças que já nos deixaram, como Paulinho Cinderela, Beto Dick, Tuneca, etc etc. Poderiamos ficar aqui durante horas mencionando pessoas, pois como você disse Mauro, a Urca, apesar de pequena do ponto de vista geográfico, é uma gigante em termos de geração de personagens. Você e eu fomos abençoados de ter “nascido” e crescido na Urca…
Oscar foi um privilégio, embora na época não achássemos tanto, ter passado a infância e adolescência por aqui. Realmente poderia ter escrito umas 3 ou 4 páginas, mas tentei fixar nos da infância e um pouco da adolescência, textos longos não a atenção. Só para vc saber, o cachorro era Tompi, da minha avó, uma mistura de viralata e fox paulistinha que não ficava em casa de modo algum e que voltava lá pelas 11 após sua “bebida” no bar. Obrigado, abs.
Ih! Acho que estivemos por lá na mesma época. Tuneca foi meu grande amigo de infância e os pais dele (que eu chamava de “tios) eram parceiros de “biriba” de meus pais.
Outro que foi muito cedo foi o Arandir. Eu não sabia que o Beto Dick já tinha partido. Que pena. Grande figura, sempre sorridente.
Nossa, daria mesmo para ficar horas lembrando daqueles tempos.
Bom ler você.
Um abraço.
Bia
Beto Dick me deu aula de física para o vestibular e lembro do Tuneca, que bom que tenha gostado de ler.