Me apaixonei pelo sorriso.
Aqueles dentes brancos e aqueles lábios vermelhos eram maravilhosos. Eu sempre saía zonzo do colégio, ainda mais depois de duas aulas de física, em ano de vestibular. De repente, a sensação de atordoamento havia passado.
Ela e duas amigas esperavam o ônibus. Comecei a torcer silenciosamente para que alguma delas pegasse o mesmo que o meu, o que permitiria que eu puxasse uma conversa mais ou menos assim:
— Estudam por aqui? É a primeira vez que vejo vocês no ponto.
Horrível, eu admito. Mas era a melhor ideia que me ocorreu naquele momento. E lá veio o meu ônibus, que passava a cada meia hora, e justo naquele dia resolveu aparecer logo.
— Hoje sem reclamação. Tô andando “forte”!
O motorista já me conhecia. Rápido respondi:
— Pois é, justo hoje vou pra casa de um amigo.
Elas ouviam a conversa com cara de enfado, à espera que mais ônibus pudessem chegar ao ponto quando o meu fosse embora.
Dez minutos depois, elas interromperam o papo para fazer sinal para o ônibus. Distraído, embarquei também, sem saber para onde ia, mas decidido a descobrir algo mais sobre aquele sorriso.
Escutei um “rabo” de conversa: todos os ônibus possíveis haviam passado eu tinha entrado com elas. Os demais comentários, bons ou ruins, não consegui pescar. O itinerário era oposto ao da minha casa. Eu precisava pensar rápido e descer. Como detetive de quinta categoria, achei que já tinha pistas de horário e ônibus, e que poderia encontrá-la de novo. Fui descer e ouvi:
— O “franguinho” vai descer!
Porra! Franguinho?
Passei o resto do dia e da noite com aquela frase na cabeça, o que teve um efeito muito pior que as aulas de física.
Nos próximos dois dias não consegui encontrá-la e por conta do apelido resolvi parar de tentar. Mas eu via o sorriso dela em cada menina perto do colégio ou no ponto.
Certo dia, começou uma chuva fina enquanto eu esperava no ponto. Meu ônibus demorava o normal, isto é quase meia hora. Mas antes que eu amaldiçoasse a empresa, ele apareceu. Entrei e quando começava a acelerar, houve uma freada:
— Obrigada!
Preocupado em não deixar as moedas caírem naquele acelera e freia, distraído, paguei e sentei. A chuva apertou. Olhei pela janela pensando em nada.
— Ainda bem que entrei nesse ônibus. Prá onde ele vai?
Hipnotizado por aquele sorriso, respondi de uma forma quase inaudível:
— Prá Urca.
— É na direção oposta de onde preciso ir, mas vou mais adiante para ver se a chuva diminui.
— Tá…
— Onde você estuda?
Não escondi o riso, mas respondi logo:
— No Andrews e você?
— Na UERJ.
— Ah, entendi então porque me chamaram de franguinho…
— Minhas amigas são muito más. Mas você é um franguinho muito simpático e bonitinho.
A amizade começou ali. E ficou por aí, só amizade, mas eu nunca deixei de ser um apaixonado por aquele sorriso, ainda mais depois de saber que vinha acompanhado de boa conversa. Ela sabia, mas elegantemente mantinha a distância. Alguns dias, ela ia comigo no caminho oposto dela, outros era eu quem fazia isso. Um dia, poucas semanas antes do meu vestibular, ela me contou que seu pai fora transferido para a França pela empresa onde trabalhava. Nunca mais a vi. Ficou a saudade do sorriso.
Ah. Também não voltei a ver as amigas. Mas no final das contas, eu acabaria perdoando. No final das contas, para elas eu não passava mesmo de um franguinho.