Era um jantar normal, no meio da semana. Reparei que minha caçula parecia ainda um pouco mais agitada do que o normal.
— Algum problema filha?
— Um absurdo! – ela exclamou e prosseguiu. — A cantina do colégio subiu o preço do pão de queijo de R$ 0,80 para R$ 0,90. Amanhã todo mundo vai levar lanche de casa até que eles voltem ao preço antigo.
— E o que os responsáveis pela cantina falaram?
— Que é o primeiro aumento em dois anos.
Senti ao mesmo tempo uma ponta de orgulho por sua mobilização e uma ponta de ironia por sua indignação em relação a um aumento que considerei normal. E, na minha cabeça, voltei no tempo, até os anos 1980, recém-casado, quando aprendia a fazer um orçamento doméstico com uma inflação que era de 50% ao ano e que chegou a incríveis 80% ao mês em seis anos!
O mercado financeiro sempre foi pródigo em boatos, ainda mais numa época de comunicações limitadíssimas, se comparadas ao que existe hoje em dia. De vez em quando estourava a dica:
— Põe gasolina no carro, que vai ter aumento hoje à noite.
Disparavam-se ligações para os telefones fixos.
— Porra! Será que nunca tem gente em casa?
Atualmente boatos como esse teriam a velocidade da luz!
A dispensa da minha casa tinha uma arrumação digna do Palácio de Buckingham, com as compras dispostas conforme a data da compra e, com o passar do tempo, pelo prazo de validade. Naquela época, a indignação era voltada para os aumentos de um mês para o outro, se bem que 20% era algo até aceitável. Fazíamos compras no dia que o salário era depositado na conta e claro, o supermercado estava lotado. Sempre. Vivíamos à caça de ofertas.
Aprendemos todos os truques de compra com cartão de crédito para ter mais prazo. Não havia parcelamento na compra; o pagamento era na bucha. Esforçávamo-nos em gastar menos do que os rendimentos da conta remunerada (uma invenção dos bancos que rendia cerca de 50% da inflação diária) e jamais comprávamos a prazo. Os juros, aqueles sim, eram estratosféricos! Foi nessa época que os jornais passaram a ter cadernos de economia; as compras e vendas de imóveis eram em dólar e a moeda americana era o refúgio de muitos. As cotações do câmbio paralelo eram dadas pelas rádios.
Como morávamos em imóvel alugado, a proximidade do reajuste semestral me causava várias noites de sono intranquilo. Afinal, se o salário subisse menos que o reajuste, algo precisaria ser cortado do orçamento nos próximos meses.
Foram tempos muito complicados para todos.
Corte rápido para os anos 2000.
E lá estava ela, a pequena cheia de si, combinando com os amigos o “boicote” à cantina do colégio.
Até hoje minhas filhas me olham com espanto quando conto algumas das agruras passadas naquele período de inflação diária. Acham tudo tão absurdo que não acreditam que aconteceu de verdade.
Mas é importante que se saiba. A estratégia da caçula e de sua turma funcionou. O preço do pão de queijo voltou aos R$ 0,80.
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