Nos tempos em que trabalhei em Nova York, no final dos anos 1990, fiz amizade com um californiano que reclamava mais que eu do vento e da neve. Era um sujeito enorme, com mais de 1,90m e o hábito de usar calças na altura do tornozelo, o que fazia seus sapatos parecerem maiores que esquis, e gravatas com personagens da Disney. Tinha a exasperante mania de falar batendo no meu ombro. Depois de cada almoço, só me restava recorrer ao Tylenol para segurar a dor. Como tenho 1,64m bem medidos, me dava certa vergonha caminhar a seu lado pelas ruas.
Mas era um cara simpaticíssimo e costumava demonstrar grande interesse pelas coisas do Brasil. Repetia com frequência que queria conhecer o Rio. Naquela época, minha família estava instalada em São Paulo, ainda não havia as UPPs por aqui e as manchetes eram muito desfavoráveis. De certa forma, eu procurava desaconselhar o gringo a passear pelas bandas daqui. Mesmo depois de deixar Nova York, não perdemos o contato. Quando voltei a morar para o Rio, botei a maior pilha para ele visitar a cidade.
Ele não só se animou como em uma de nossas ligações disse que faria uma surpresa para mim. Senti percorrer um frio na espinha, mas mantive o tom de voz e falei que estava lhe esperando. Então fiz a pergunta fatal: quando ele pensava vir. A resposta foi aquela que eu já imaginava, mas tentava negar. No carnaval, é claro!
Meu apavoramento cresceu com relação à surpresa, mas era tarde demais. Só me restava recorrer à força do pensamento positivo e me preparar para aguentar o que poderia vir pela frente.
Na quinta-feira anterior ao início dos festejos de Momo, recebi uma ligação, Dwight (esse era o nome do meu amigo), já no hotel, queria me encontrar imediatamente, pois tinha um algo marcado e eu precisava acompanhá-lo. Apesar de californiano e ex-surfista, meu amigo era filho de militar, rigorosíssimo com compromissos e horários.
Peguei-o no hotel e perguntei onde era o compromisso. Escutei algo parecido como “San Cristobao”, me levando a pensar no nobre bairro de São Cristóvão, onde já fui ver jogo do Fluminense. Como não conheço bem a área, peguei o endereço e mostrei ao motorista de táxi, que já foi me perguntando:
— Vai desfilar mermão?
Apavorado, não consegui responder de imediato.
— Por quê? – balbuciei.
— Nessa rua aí tem uma monte de costureira que trabalha pras escolas.
Comecei a conversar com Dwight, que estava feliz e ansioso por conta da surpresa. Tentei desviar o assunto explicar as coisas da cidade no caminho, mas ele voltava a insistir na amazing surprise que me faria.
Depois de levar 45 minutos para percorrer pouco mais de 10 km, nos aproximávamos do local de meu desespero. O que é que me esperava?
Chegamos a um sobrado bonito, bem conservado. Fiquei impressionado. Não ia a São Cristóvão havia mais de 35 anos.
Uma moça abriu a porta e Dwight pulou na frente a perguntar por uma certa Antônia. Fomos conduzidos ao andar de cima, onde se escutava barulho de máquinas de costura e um movimento frenético de gente. Veio uma senhora gentil e muito calma:
— Pois não, eu sou Antônia
— Douna Antounia, eu sou Dwight!
A felicidade dele por ter falado a frase até me emocionou. Estava empenhado em ser simpático.
— Seu Duaite, como vai?
Nesse momento, me apresentei e ela foi também de uma gentileza enorme comigo. Fomos então para outro cômodo, onde nos foi servido um excelente café.
— Tá aqui. Espero que gostem, mas acho que na sua – disse olhando para mim, pensativa — ainda vou ter que mexer.
E dentro de dois sacos surgem fantasias para o desfile da Império Serrano. Um fraque longo branco, com detalhes em verde, cartola branca, assim como os sapatos e a bengala. A camisa era falsa, o que me tranquilizou em relação ao calor.
Meu amigo parecia pinto no lixo. Experimentou a fantasia, que ficou perfeita. Na minha, provavelmente caberiam mais um ou dois Mauros. Dona Antonia em sua imensa paciência e calma, passou a marcar os ajustes, enquanto Dwight me olhava e esperava alguma interjeição estupenda.
Entendi a mensagem implícita e exclamei minha alegria e surpresa.
— Apesar de carioca de pai e mãe nunca tinha desfilado. Vai ser do c…!!!!
Ele não entendeu tudo, Dona Antonia fingiu que não escutou, e comecei a me preocupar com the big picture um gringo de mais de 1,90m e um nativo de 1,64m, bem medidos, andando juntos, fantasiados, rumo ao Sambódromo.
Saímos de lá e começamos o city tour, pois ele me avisou que nos outros dias queria sair nos blocos aconselhados pelo concierge do hotel. Percebi que eu, que não sou nenhum pouco fã da festa pagã, teria que me jogar de vez.
Foram dois dias de bloco onde deixei meu amigo se esbaldar. Só fiz questão de lembrar que não teria condições físicas para dar apoio no caso de um porre. Mas o cara era bom no álcool, difícil de derrubar.
Chegou o grande dia. Estávamos nós na estação Botafogo do metrô, fantasiados, a caminho do Sambódromo. Impossível não se contagiar. Ao chegar, procuramos nossa ala, Dwight não parava de exclamar que era tudo do c… Tinha aprendido a expressão e só falava isso. Na avenida, a organização era dinamarquesa; a pontualidade, suíça, e o resto tudo nosso. Bom demais. Ah, se o país fosse assim o ano inteiro…
Como diria meu amigo gringo, seria absolutamente “do c…!!!”
Não sabia que você tinha morado em NY; gostou? Realmente fica difícil imaginar você desfilando na Sapucaí. Espero que tenha sido uma experiência inesquecível. Algum dia, quem sabe, vou experimentar. Um grande abraço!
Sim em 98. Foi um dos períodos mais felizes da vida. Desfilar é muito bom. Vale a pena! Obrigado, abraços!
Textinho bom pra c…. !!!! rsrsrsrs Ótima ficção. Parabéns. Se fosse um livro seria difícil parar de ler. Não sei porque mas me lembrou o filme Xangô de Backer Street.
Obrigado.