Abro o jornal e encontro outra grande reportagem que descreve os inúmeros atrativos da Urca. Mais do mesmo: menciona-se a cerveja cara, o salgadinho gostoso, a mureta (conhecida pelos moradores como “paredão”), a vista, o pôr do sol encantador e três bares que atraem turistas e locais. Faltou apenas falar do passeio no bondinho do Pão de Açúcar. Quanta falta de imaginação! Por que falar da Urca e não de outros lugares? Justiça seja feita, aqui nasceu a cidade e a paisagem faz jus à fama. Só me resta a constatação — meu bairro está na moda!
Cabe a pergunta: Isso é bom ou é ruim?
Pois é, pode parecer óbvio, mas tudo tem dois lados.
Em geral, tudo o que sai nos jornais sobre a Urca exalta sua tranquilidade, sua aparência bucólica, a segurança, a privilegiada vista para a baía da Guanabara. Ou seja, toda a sorte de lugares-comuns que podem ser reunidos sobre o bairro. O que me pergunto é se os autores dessas matérias realmente conhecem a Urca, se têm conhecimento dos abusos cometidos pelos que vêm desfrutar de toda a beleza natural, se imaginam quais são as reclamações dos moradores. Enfim, será que sabem como é morar por aqui, nesta fatia de terra de 2,4 quilômetros quadrados espremidos entre morro e mar, onde vivem, segundo o último censo, cerca de 7000 habitantes, e que recebe nos fins de semana pelo menos 1500 visitantes, segundo as contas do dono de um dos três populares bares do pedaço.
Nem sempre a Urca foi tão popular. Quando eu era garoto, tínhamos que ensinar o caminho aos motoristas de táxi, apesar de estarmos colados ao resto da Zona Sul. Havia também o mito de que se tratava de uma zona militar, talvez pela presença do forte São João. Para falar a verdade, era até bom ser um pouco esquecido.
O bairro teria sido alvo da especulação imobiliária que assolou toda a Zona Sul, se não fosse a ação de alguns moradores que conseguiram junto a Prefeitura aprovar uma rígida lei de zoneamento. E foi graças a eles que uma fotografia da Urca tirada em 1985 é igual a outra tirada hoje, a não ser pelos carros e por nós, que ficamos mais velhos. Preservaram-se as características e as construções, e uniu os moradores nos esforços para a manutenção do bem-estar comum. Isso não quer dizer que não se aceite bem a presença de quem vem de fora. Desde os primórdios de sua história, a Urca atraiu visitantes, a começar pelos portugueses que fundaram a cidade entre os morros Cara de Cão e Pão de Açúcar. Bem no meio do bairro está encravada uma construção dos anos 1920, que foi hotel balneário, cassino e depois sede da TV Tupi. Apesar da poluição, a pequenina praia da Urca mantém-se lotada há décadas, por causa de suas águas calmas. O acesso é facilitado pelas linhas de ônibus que ligam o bairro a várias regiões sem praia da cidade, recebendo um grande número de banhistas.
Muitos moradores reclamam da falta de vagas para estacionar os carros, que se torna dramática nos finais de semana, com as levas de visitantes. Mas isso acontece em toda a cidade grande. O que realmente me incomoda é a falta de tudo que existe de mais básico para a vida civilizada. Falta água, falta luz, a internet funciona com uma banda podre, o esgoto é lançado diretamente na baía de Guanabara em locais conhecidos há décadas pelos moradores. Como não se constrói nada no bairro há trinta anos e ter uma localização estratégica, a bolha imobiliária carioca inflou mais ainda por essas bandas. Imagina-se que a Urca é habitada por gente rica. É um engano. Ricos e inocentes são aqueles que desejam adquirir imóveis com mais de cinquenta anos de uso aos preços atuais.
O bairro é pequeno, não seria difícil colocá-lo em ordem. Daqui não saio, daqui ninguém me tira, mas quero melhorias. Quero água limpa no mar e em casa. Quero esgoto ligado à rede de esgotos. Quero estar na moda por esbanjar qualidade de vida e não apenas porque sou vizinho de três bares que servem cerveja gelada e bons petiscos.
Urca é um dos meus locais preferidos para caminhadas. Bucólico e ainda seguro, saio do Posto 4, em Copa e vou andando até o Forte São João. Se estiver cansado (ou com muito calor), pego um 512 e retorno. Caso contrário, volto a pé, cortando por dentro dos prédios da Ufrj. Gostaria de morar lá. Aliás, talvez ainda more, quem sabe? Um abraço.
Também caminho diariamente pela Urca, mas tomo o sentido Botafogo e Flamengo. Realmente é muito bom, mas o bairro precisa, como os outros de mais atenção. Obrigado e abs.