O verdadeiro lado B da Urca

0 Flares Twitter 0 Facebook 0 Google+ 0 LinkedIn 0 Email -- 0 Flares ×

urca3

Abro o jornal e encontro outra grande reportagem que descreve os inúmeros atrativos da Urca. Mais do mesmo: menciona-se a cerveja cara, o salgadinho gostoso, a mureta (conhecida pelos moradores como “paredão”), a vista, o pôr do sol encantador e três bares que atraem turistas e locais. Faltou apenas falar do passeio no bondinho do Pão de Açúcar. Quanta falta de imaginação! Por que falar da Urca e não de outros lugares? Justiça seja feita, aqui nasceu a cidade e a paisagem faz jus à fama. Só me resta a constatação — meu bairro está na moda!

Cabe a pergunta: Isso é bom ou é ruim?

Pois é, pode parecer óbvio, mas tudo tem dois lados.

Em geral, tudo o que sai nos jornais sobre a Urca exalta sua tranquilidade, sua aparência bucólica, a segurança, a privilegiada vista para a baía da Guanabara. Ou seja, toda a sorte de lugares-comuns que podem ser reunidos sobre o bairro. O que me pergunto é se os autores dessas matérias realmente conhecem a Urca, se têm conhecimento dos abusos cometidos pelos que vêm desfrutar de toda a beleza natural, se imaginam quais são as reclamações dos moradores. Enfim, será que sabem como é morar por aqui, nesta fatia de terra de 2,4 quilômetros quadrados espremidos entre morro e mar, onde vivem, segundo o último censo, cerca de 7000 habitantes, e que recebe nos fins de semana pelo menos 1500 visitantes, segundo as contas do dono de um dos três populares bares do pedaço.

Nem sempre a Urca foi tão popular. Quando eu era garoto, tínhamos que ensinar o caminho aos motoristas de táxi, apesar de estarmos colados ao resto da Zona Sul. Havia também o mito de que se tratava de uma zona militar, talvez pela presença do forte São João. Para falar a verdade, era até bom ser um pouco esquecido.

O bairro teria sido alvo da especulação imobiliária que assolou toda a Zona Sul, se não fosse a ação de alguns moradores que conseguiram junto a Prefeitura aprovar uma rígida lei de zoneamento. E foi graças a eles que uma fotografia da Urca tirada em 1985 é igual a outra tirada hoje, a não ser pelos carros e por nós, que ficamos mais velhos. Preservaram-se as características e as construções, e uniu os moradores nos esforços para a manutenção do bem-estar comum. Isso não quer dizer que não se aceite bem a presença de quem vem de fora. Desde os primórdios de sua história, a Urca atraiu visitantes, a começar pelos portugueses que fundaram a cidade entre os morros Cara de Cão e Pão de Açúcar. Bem no meio do bairro está encravada uma construção dos anos 1920, que foi hotel balneário, cassino e depois sede da TV Tupi. Apesar da poluição, a pequenina praia da Urca mantém-se lotada há décadas, por causa de suas águas calmas. O acesso é facilitado pelas linhas de ônibus que ligam o bairro a várias regiões sem praia da cidade, recebendo um grande número de banhistas.

Urca I

Muitos moradores reclamam da falta de vagas para estacionar os carros, que se torna dramática nos finais de semana, com as levas de visitantes. Mas isso acontece em toda a cidade grande. O que realmente me incomoda é a falta de tudo que existe de mais básico para a vida civilizada. Falta água, falta luz, a internet funciona com uma banda podre, o esgoto é lançado diretamente na baía de Guanabara em locais conhecidos há décadas pelos moradores. Como não se constrói nada no bairro há trinta anos e ter uma localização estratégica, a bolha imobiliária carioca inflou mais ainda por essas bandas. Imagina-se que a Urca é habitada por gente rica. É um engano. Ricos e inocentes são aqueles que desejam adquirir imóveis com mais de cinquenta anos de uso aos preços atuais.

O bairro é pequeno, não seria difícil colocá-lo em ordem. Daqui não saio, daqui ninguém me tira, mas quero melhorias. Quero água limpa no mar e em casa. Quero esgoto ligado à rede de esgotos. Quero estar na moda por esbanjar qualidade de vida e não apenas porque sou vizinho de três bares que servem cerveja gelada e bons petiscos.

0 Flares Twitter 0 Facebook 0 Google+ 0 LinkedIn 0 Email -- 0 Flares ×

Sem comentários

  • Urca é um dos meus locais preferidos para caminhadas. Bucólico e ainda seguro, saio do Posto 4, em Copa e vou andando até o Forte São João. Se estiver cansado (ou com muito calor), pego um 512 e retorno. Caso contrário, volto a pé, cortando por dentro dos prédios da Ufrj. Gostaria de morar lá. Aliás, talvez ainda more, quem sabe? Um abraço.

    • maurogiorgi01 disse:

      Também caminho diariamente pela Urca, mas tomo o sentido Botafogo e Flamengo. Realmente é muito bom, mas o bairro precisa, como os outros de mais atenção. Obrigado e abs.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *