Por Mauro Giorgi
Lembro-me das revistas embrulhadas em plástico preto e lembro mais ainda o que ele escondia. Estávamos no final dos anos 1970, ainda tempo dos generais e da censura, eu estava na adolescência e o plástico era o subterfúgio utilizado para permitir que as revistas com nudez fossem para as bancas. E o filé mignon (sem trocadilhos), naturalmente aparecia nas páginas da Playboy, criada nos Estados Unidos por Hugh Hefner em 1953, com a inesquecível atriz Marilyn Monroe na capa. A edição brasileira só deu as caras mais de duas décadas depois, em 1978.
Se eu pudesse falar pessoalmente com Hugh – Hugh sim, porque sinto que somos íntimos – teria muito que recordar. Raquel Welch. Sônia Braga. Jane Fonda. Vera Fisher. Farrah Fawcett. O ensaio com Lídia Brondi. Maria Padilha encarnando personagens de Nelson Rodrigues. Cláudia Ohana e a vastidão amazônica. Adriana Galisteu mostrando como se usa um aparelho de barbear. As páginas centrais. A chegada da revista à banca era um evento. Teve fila para aguardar o exemplar com Joana Prado, a Feiticeira do programa do Luciano Huck, já em 1999, até hoje o best-seller absoluto da versão brasileira, com 1,25 milhão de exemplares vendidos. E havia todo o mistério que cercava a negociação dos cachês.
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Para um garoto no final dos anos 1970, as revistas não eram baratas. Um exemplar passava literalmente de mão em mão, com fila de empréstimos. Claro, havia grandes reportagens e depoimentos. Ziraldo afirmando que nunca havia broxado. Fernando Collor revelando para o brasileiro de classe média que havia gravatas de cem dólares e canetas de quinhentos que podiam ser usadas no dia a dia. Mas verdade seja dita, as reveladoras entrevistas com personagens da política e da economia ficavam para depois. Para depois que a escolhida do mês fosse devidamente examinada.
Hoje em dia, nenhuma nudez será castigada. Como disse um dos executivos do grupo que comanda a Playboy americana, estamos a um clique do que quiser em matéria de sexo. Nesse universo tipo fast-food, os ensaios fotográficos de feras como JR Duran, Luis Tripoli e Antonio Guerreiro teriam se tornado anacrônicos. Um adolescente cheio de espinhas não precisa mais aguardar o deslize de algum adulto para ver tudo o que mora na sua imaginação. Basta entrar na internet. Nem sei se sobrou muito espaço para a imaginação. Não haverá mais nudez completa na Playboy. A exuberância saudável ou siliconada das coelhinhas vai ceder lugar para outras mulheres bonitas, mas mais vestidas. Depois de vender mais de 5,6 milhões de exemplares, a circulação está restrita a uma fração disso. Havia necessidade de uma mudança na linha editorial para enfrentar os novos tempos, alguém concluiu.
Sei lá. O que eu acho, Hugh, é que você foi um herói, um combatente no escuro, e merecia um Nobel de Entretenimento só por ter mostrado ao mundo Marilyn Monroe em todo seu esplendor. Saiba que pelo mundo inteiro cinquentões como eu vão brindar em lembrança de algumas de suas playmates favoritas. E elas são muitas.
Saúde, Hugh. Você é um forte.