Hora do recreio

0 Flares Twitter 0 Facebook 0 Google+ 0 LinkedIn 0 Email -- 0 Flares ×

Coleções III

Acontece a cada quatro anos. A febre começa poucos meses antes da Copa do Mundo e se alastra pelos pátios de escola, repartições, mesas de bar, cabeleireiros e qualquer lugar onde haja ajuntamento de gente. Ataca crianças, mas costuma fazer inúmeras vítimas entre os adultos. Nos casos mais graves, marmanjos regridem a comportamentos dignos do jardim de infância. Dessa vez, com o avanço das redes sociais transformou a febre em um dos assuntos do dia, ou melhor, em trending topic. Vale tudo para completar o álbum de figurinhas da Copa.

Os jornais e as revistas mostram as celebridades que fazem coleção. Até a presidente Dilma também tem a sua, seja por jogada de marketing ou não. Confesso que sinto falta do divertimento que era “bater figurinha” ou bafo, que costumava acontecer na hora do recreio do colégio nos tempos em que eu era criança. Estamos falando das décadas de 1960 e 1970, quando as opções de diversão eram mais escassas do que nos dias de hoje. Na época, o interesse pela coleção de figurinhas não se limitava às vésperas da Copa. Os álbuns eram uma constante na vida de quem era criança então. Três deles foram especiais para mim, cada um em uma época diferente. Pouco antes da Copa de 1970, fiz o Álbum do Pelé, cuja figurinha mais difícil era a de número 37, “Pelé Comendo”, se a memória não estiver corroída pelo tempo. Já adolescente, colecionei figurinhas da série Perdidos no espaço, um dos programas mais populares da época. Um pouquinho depois, como um verdadeiro gentleman, ajudei a namorada a completar o meloso Amar é…, inspirado nos quadrinhos publicados diariamente no jornal, enorme sucesso entre todas as garotas em meados dos anos 1970.

Os álbuns de figurinha, porém, não eram o único tipo de coleção que praticávamos naqueles tempos. Havia quem colecionasse maços de cigarro (sim, fumar era civilizado, charmoso e funcionava como uma espécie de prova de independência) e garrafas de Coca-Cola (das pequenas que não existem mais, em vidro grosso), havia até a lenda urbana de que os cascos esverdeados eram, na verdade, americanos. Um sonho de colecionador era juntar latas de Coca-Cola do mundo todo, coisa que só era possível para os pouquíssimos que viajavam para fora do país ou que tinham pais viajantes. A maioria lançava olhares compridos e se perguntava quando também teríamos latinhas por aqui. Havia até coleções transgressoras como a de “carcarás”, uma peça de Fusca (só valia ser desse carro), que esguichava água. Havia quem fizesse anéis com ele.

Coleções IV

Admito que tive duas coleções que poderiam ser classificadas como um tanto bizarras: uma de chapinhas de refrigerantes; outra de pontas de lápis, claro sinal da loucura incubada. Mas foram duas aquelas que mantive com mais carinho durante a adolescência. A primeira era de discos dos Beatles, e incluía vários vinis piratas de seus shows, adquiridos na Modern Sound, em Copacabana. (Aliás, como podia uma loja vender um produto pirata?). A outra chegou a ocupar três cadernos grandes inteiros: era de manchetes sanguinolentas dos jornais cariocas O Dia, Última Hora e Notícias Populares. Ainda me lembro de algumas:

Emasculou-se com uma Gilette.

Ou ainda:

Se fingia de mulher para roubar homens e vice-versa.

Como fui filho de dois colecionadores de selo, muito cedo aprendi a admirá-los. Por ser também apaixonado por esportes, escolhi ter selos das Copas do Mundo e das Olimpíadas. Hoje a coleção anda guardada, em animação suspensa. Eu a mantive durante quase vinte anos e consegui algumas peças muito boas. Acho que a retomarei mais tarde, quando estiver um pouco mais velhinho.

Por enquanto, satisfaço-me em observar o movimento gerado pelos álbuns da Copa, que muitas vezes serve de pretexto para a interação entre desconhecidos. Quem sabe daí não nascem novas amizades?

 

0 Flares Twitter 0 Facebook 0 Google+ 0 LinkedIn 0 Email -- 0 Flares ×

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *