Legião do barulho

Dormir não é uma tarefa fácil para mim. Requer concentração e mente vazia. Com confortável indumentária me preparei para desfrutar de uma noite de seis horas de sono, algo muito bom. Naquela noite, porém, o que eu ignorava era que, oculto em meio às trevas do quarto, um exército de mosquitos estava à espreita, prestes a atacar.
O primeiro zumbido é algo que me leva imediatamente ao mais profundo mau humor e à perda imediata de qualquer vontade de dormir. Acender a luz e ver inicialmente três criaturas pousadas no teto do quarto me fez pensar rapidamente em uma estratégia. Na mesma fração de segundo, sinto mais um voando e outro pousado na porta do quarto.
Uma conspiração do mundo de insetos contra mim. Algo precisava ser feito de maneira organizada e sistemática.
É claro que em um embate entre insetos que vivem por instinto e eu, um ser racional, mesmo que fora da razão, a vantagem estava comigo e exterminá-los seria uma questão de tempo. No entanto, algumas coisas foram percebidas imediatamente. O instinto deles é fantástico! Colocam-se em pontos elevados, claro que sob meu ponto de vista de um metro e sessenta e pouco de altura, ou próximos de objetos frágeis como porta-retratos, quadros e pratos, o que dificulta o processo de espremê-los até a morte sem provocar destruição em massa.
O voo calculado de aproximação, com a finalidade de me irritar, é perfeito. Penso rapidamente porque tais insetos existem e que tipo de desequilíbrio ecológico produziria sua completa extinção. Vou descobrir amanhã, quando levarei essa proposta à Organização Mundial de Saúde.

Preparo-me, ao mesmo tempo em que me sinto um imenso idiota. Tiro a camiseta e me concentro em um único mosquito. Depois de três ou quatro golpes, a primeira vitória. Encho-me de orgulho e poder. Porém, há outro motivo de irritação: começo a suar pela perseguição somente ao primeiro.
Por um descuido dele, espremo o segundo contra a porta. A mão com sangue me dá ódio: aquele puto já havia me mordido. Paro um tempo, à procura de um lenço de papel para limpar a mão.
Acho o spray contra insetos escondido na estante. Pego com orgulho e satisfação como se segurasse a taça da Libertadores, que meu tricolor tanto persegue. Faço um estrago com o inseticida. O cheiro é insuportável. Ligo o ventilador de teto para amenizar, e noto que os outros três vingadores ficaram no teto acima do alcance da engenhoca ligada.
Desligo e espero por seu voo abanando a camiseta. Detalhe: o pé-direito da casa construída por meu avô é de três metros e meio. Penso rapidamente, porque essa altura tão absolutamente desnecessária?
O primeiro sai para sua missão de reconhecimento e irritação e, em um golpe de sorte e rapidez, pego o kamikaze no ar! O placar é 3 x 2, e sou eu quem leva a vantagem!
O inseticida deixou-os mais doidões… ledo engano.
Os remanescentes voam mais rápido com o aditivo químico. Com certeza, não passariam no exame antidoping.
Resolvi deixá-los voar para cansá-los e amassá-los nas paredes. Um pouco tonto seguindo os voos sem plano, continuei sentado na cama. Olhei o relógio. Já havia perdido quase meia hora nessa caçada. Cresce o ódio. Levanto e vejo um pousado na cúpula do abajur. O tapa quase quebra a peça e a lâmpada, mas o sucesso é total!
Agora Godzilla parte contra o último dos moicanos. Na perseguição, bati na cadeira, esbarrei na cômoda, chutei a cama com o dedinho e ao final em um movimento digno de Muhammed Ali, esmaguei no ar o último perturbador do sono.
Suado mas feliz, zonzo com o inseticida e até enjoado, mas orgulhoso, ligo o ventilador e tento recuperar a concentração agora para pouco mais de cinco horas de sono. O herói precisa repousar.