O setor elétrico brasileiro é composto por Geradoras, Transmissoras e Distribuidoras, com predominância de energia produzida a partir da água. A presença estatal se faz sentir de forma mais forte na geração, basicamente por intermédio da Eletrobras, enquanto a transmissão e a distribuição tem maior participação da iniciativa privada.
As tarifas são determinadas pela ANEEL que é a agência reguladora, enquanto a ONS (Operadora Nacional do Sistema Elétrico) cuida da interligação do sistema para que haja suprimento de energia no país inteiro.
As geradoras recebem os maiores investimentos do setor; seus prazos de retorno são mais longos; e a compensação vem da liberdade de vender ou não a energia no preço mínimo estabelecido pelo governo a cada leilão. Isto é, se acreditarem que o preço pode subir, contrariando a proposta inicial do governo, e isto ocorrer, elas vendem no mercado livre e ganham. Se o oposto acontecer, o prejuízo é seu, sem ter como recorrer a ANEEL ou ao governo.
As transmissoras e distribuidoras têm seus preços totalmente regulados e obedecem a importantes parâmetros de segurança. Isto é, precisam sempre estar 100% compradas para transmitir e distribuir energia ininterruptamente. Ganham com o aumento do seu mercado consumidor, e da eficiência na cobrança deste. O risco da atividade é muito pequeno.
Quis estabelecer tais parâmetros para tratar da situação atual do setor e evidenciar que existe, no momento, uma guerra de informações em que a maior vítima é a verdade.
Quando da edição da Medida Provisória nº 579 para redução das tarifas de energia elétrica, já havia no horizonte um quadro de escassez hídrica e um preço da energia no mercado livre em ascensão. Estávamos no começo da campanha para as eleições municipais de 2012 e a principal motivação para tal manobra era de caráter meramente eleitoreira, fato que não passou despercebido na época. Ao mesmo tempo, instalou-se uma situação de insegurança jurídica, pois a antecipação da renovação de concessões de geradoras e transmissoras interromperia retornos de investimentos já feitos e trazia dúvidas quanto ao preço arbitrado para 2015, ano previsto para início das novas concessões. Investimentos já atrasados por problemas como licenças ambientais, foram reprogramados e a iniciativa privada suspendeu quase que por completo qualquer nova proposta de investimento. Começa aí um limitador de crescimento econômico.
Com essa ingerência e as complicações no quadro hídrico, muitas geradoras deixaram de vender energia, optando pelo mercado livre. Essa situação deixou as distribuidoras em situação difícil, pois tinham que arcar com a redução das tarifas e ainda comprar a energia faltante a preços desconhecidos. O governo, que já vinha utilizando a energia térmica, mais cara, devido ao quadro hídrico irregular, determinou a utilização perene das usinas termoelétricas por tempo indeterminado. O suprimento de energia estava “garantido”, mas o preço permanecia em aberto, o que para a economia era um salto no escuro.
Na passagem do período chuvoso de 2012 para 2013, a situação melhorou, mas ainda permanecia abaixo da média histórica o nível dos reservatórios nas principais regiões de consumo, o Sudeste e o Nordeste. As regras dos reajustes de energia para 2014 foram divulgadas, houve discórdia, mas o que preocupava era o “rombo” do custo da energia térmica versus a tarifa cobrada. O Tesouro Nacional fez aportes de cinco bilhões e divulgou que a partir de 2014 caberia ao consumidor pagar a conta desta diferença. As previsões para as chuvas ao longo de 2013 começaram a preocupar e a energia livre passou a subir mês a mês, com as indústrias perdendo a redução dada por decreto na parcela adquirida no mercado livre, já que algumas geradoras não venderam sua produção para as distribuidoras.
A CEMIG deveria fazer a primeira devolução de geradora à União mas não concordou com o valor da indenização. Desde setembro de 2013, o caso segue na justiça, sem prazo para resolução. Este fator é fundamental na projeção de preço de energia para 2015 por parte do governo.
Na passagem do período chuvoso de 2013 para 2014 o sinal amarelo apareceu. As chuvas foram poucas e o que já era abaixo do regular ficou ruim, com consequências para o abastecimento de água da população no Sudeste e no Nordeste.
O governo percebeu que os valores destacados no orçamento para cobrir custos de energia térmica em 2014 seriam insuficientes, e começou a tomar medidas para não sangrar ainda mais as combalidas contas públicas, de olho também na elevação da inflação:
– Suspendeu a cobrança ao consumidor da parcela que o Tesouro havia alocado em 2013, postergando-a para 2015;
– Aportou recursos previstos no orçamento para pagar as contas de suprimento de energia térmica de janeiro e fevereiro, num total de 1,2 bilhão; montante que deverá ser ressarcido em 2015 pelo consumidor;
– Montou operação junto a bancos privados e estatais para pagamento do suprimento de energia térmica de fevereiro, março, abril e maio no total de 11,2 bilhões; com pagamento previsto em parcelas de 2015 até 2017 pelo consumidor;
– Montou nova operação agora contando também com o BNDES, além de bancos privados e estatais, para pagamento do suprimento de energia térmica de junho até o fim do ano — assim se espera — no total de 6,6 bilhões, também com pagamento previsto entre 2015 e 2017 pelo consumidor.
Como a economia é algo mais dinâmico que qualquer governo em qualquer lugar do mundo, a qualquer tempo, e muito mais do que o que temos hoje, uma redução mais forte da atividade econômica começou a ser sentida e assim a possibilidade de um apagão por uso intensivo de energia foi reduzida momentaneamente. Ao mesmo tempo, produziu-se uma distorção decorrente da confusão que o setor se encontra: empresas que reduziram sua atividade econômica e tinham energia contratada a preços baixos estão revendendo-a a quem precisa a preços de mercado.
Ora, isso é o retrato de uma economia desarrumada em seu setor de segurança, a energia elétrica. A baixa atividade econômica pode fazer o preço cair no mercado livre e isso seria positivo para uma queda da inflação, mas teria também um impacto negativo, é óbvio, no crescimento econômico.
A previsão de chuvas continua ruim, mas é uma variável cuja a previsibilidade não atinge 30% de acerto normalmente. A situação se agrava pois, sem água, as geradoras produzem menos e também recorrem ao mercado de energia livre. Elas não terão socorro governamental, mas a elevação da conta por problema de causas naturais pode e deve cair no colo do consumidor em algum momento.
Finalmente chegamos ao período eleitoral, em que o tema é recorrente. Enquanto a oposição acena com números fortes de reajustes para o período de 2015 a 2017, o governo apresenta números ínfimos para o mesmo período.
Um ponto que não pode passar despercebido: neste ano de 2014 a tarifa de energia elétrica já foi reajustada em muitas regiões, e o percentual ponderado pelo peso das regiões no IPCA é de 9,73%. Ainda faltam mais cinco distribuidoras, sendo uma delas a Light, no Rio de Janeiro, com peso importante para a inflação. Logo o desconto de 2013 já foi reposto em grande parte e ainda temos “pendurada” uma conta para pagar.
A oposição ao governo mostra números reais misturados com previsões pessimistas de chuvas e otimistas de atividade econômica, que ela mesma desdiz em outros discursos. Logo imaginar reajustes acima de 25% para 2015 me parece, inicialmente, um exagero. A energia livre não cai o suficiente por falta de chuva, mas também não se mantém no teto porque o consumo baixou.
O governo prevê chuvas acima da média, o suficiente para reduzir o uso de térmicas, algo que por enquanto só ele acredita. Também acredita que receberá quatro usinas geradoras de volta e assim venderá a energia a 30 reais o MW/h. Nessa premissa encontramos dois problemas: não há previsão para resolver o problema na única usina que deveria ser devolvida, como mencionei anteriormente. Não é difícil imaginar que essas quatro devem seguir o mesmo caminho; a não ser que aconteça algo extraordinário. O preço da energia por força de lei custará algo próximo a 40 reais, cerca de 30% a mais do que o estimado.
Logo o que vemos é que o consumidor não poderá ter reajustes de apenas 2,6% em 2015 conforme promete o governo. Caso seja reeleito e mantenha-se sem as condições necessárias, tal reajuste terá consequências muito ruins para os investimentos.
O Conselho de Desenvolvimento Energético (CDE) criado em 2002 e gerido pela Eletrobras com recursos do Tesouro Nacional, para entre outras coisas ajudar na redução das tarifas de energia elétrica de 2012, está inadimplente. Em 2013 deixou em aberto 1,3 bilhão de reais, e em 2014 está com pagamentos em atraso. Essas informações constam do boletim da ANEEL de 07.04.2014. Situação caótica.
Não falei da Eletrobras! Sim há um problema enorme na estatal de energia elétrica. Ao ser obrigada a aderir ao decreto do governo, mesmo contra a vontade dos acionistas minoritários, ela teve perdas fortes de retorno de investimentos. Tentou contornar com redução de custos e programa de demissão voluntária, mas teve que ser socorrida pelos bancos estatais, CEF e BB, para pagar uma conta de 6,5 bilhões a Petrobras relativa à compra de óleo combustível e diesel para distribuidoras de energia da região norte, controladas por ela, recompor o capital de giro e manter investimentos. A dívida total da Eletrobras junto a Petrobras é de 7,25 bilhões. A empresa teve prejuízos fortes em 2012 e 2013 e caminha para mais um ano ruim em 2014.
Não há o que se esperar de positivo para o preço da energia elétrica e para o crescimento do setor. É importante uma negociação entre as partes e uma ajuda grande de São Pedro. Solução? Quem sabe em 2017.