Minha mãe nunca foi de prendas domésticas. Não tinha noção de costura e era péssima para fazer bolos. Volta e meia se enrolava até com pudim de leite. Cozinhar no dia a dia era a morte para ela. Visão da louça sobre a pia quase a fazia chorar. Mas como vinha de uma família que prezava a mesa como local preferido da casa, sabia fazer alguns pratos maravilhosos. Gosto da cozinha, mas não sou nada além de um curioso (a curiosidade por fatos e assuntos, aliás, talvez seja uma das minhas características e defeitos). Durante os longos anos em que morei em São Paulo, pude experimentar, fora de casa, certas receitas que minha mãe costumava preparar.
O rim de vitela ao molho madeira, acompanhado de polenta mole, foi um daqueles pratos que guardei na lembrança. Dava muito trabalho. Minha mãe chegava a ficar com as mãos machucadas enquanto limpava o rim. Naquele tempo tudo precisava ser feito em casa. O rim era comprado na feira do Morro da Viúva, aqui no Rio de Janeiro, uma das melhores da cidade. Para uma família italiana, o prato era muito gostoso, mas não era nada demais. Em São Paulo, achei um restaurante que servia a mesma receita e, é claro, resolvi experimentar. A diferença estava na polenta, frita e recheada com queijo gorgonzola. Absolutamente dos deuses. Além de ser realmente saboroso, senti um irresistível gosto de adolescência.
Morando de frente para a Baía de Guanabara, quando ainda era limpa, volta e meia aparecia alguém vendendo polvo recém-pescado. Quando isso acontecia e a vontade dela era grande, ela se entusiasmava e preparava arroz de polvo com brócolis. Na época, só se encontrava o brócolis grande, que era servido à parte. Quando experimentei o prato em restaurante português, o arroz vinha acompanhado pelo brócolis japonês, que como tudo que vem de lá é pequenininho.
Acredito que tenho poucos amigos que gostam de língua. Língua de boi, que fique claro. Há quem fique de estômago embrulhado só de ouvir falar, mas garanto que acho muito bom. Uma vantagem de morar em bairro pequeno era o fato de que o açougueiro sabia de antemão o que cada freguês gostava e deixava separado. Sim, havia açougues antigamente. A língua bovina aparecia com mais frequência na nossa mesa do que os dois pratos anteriores e também era assídua na casa de minha avó materna. É uma carne macia, com gosto peculiar. Como era preciso cozinha-la por umas duas horas, o perfume invadia a casa. Nossa, que saudade! Era servida com o clássico molho madeira e acompanhada pelo não menos clássico e simples purê de batata, com um toque de parmesão em pedaços. Como o tempo de cozimento da língua é longo, além da falta de hábito de consumo desta carne e a dificuldade de se achá-la, só consegui comê-la algumas vezes no restaurante da antiga Bolsa de Valores de São Paulo. Jamais tão bom quanto o prato preparado por minha mãe.
Todos sabem que os hábitos alimentares variam de região para região, mas há trinta ou quarenta anos isso era mais forte. Determinadas coisas eram mais difíceis de achar no Rio, apesar de serem comuns em São Paulo. Uma delas era uma lingüiça comum no norte da Itália chamada cotechino, normalmente preparada com lentilhas. Hoje em dia já é encontrada em algumas churrascarias que servem carnes mais “variadas”. Era um prato especial na casa da minha avó paterna, e depois minha mãe passou a fazer, mas era difícil de achar. Quando fui morar em São Paulo, antes de viajar para o Rio, passava na Casa Godinho, centenário mercado de secos e molhados na rua Líbero Badaró, coração do centro velho da cidade, e comprava uns três quilos. Pedia para embalar bem e trazia para os meus pais. Eles se deliciavam nas refeições.
Sabores da minha casa revisitados sempre têm gosto de saudade e me fazem lembrar que, na cozinha, minha mãe fazia pratos simples e imbatíveis!
Toda mãe tem seus segredos e habilidades, inclusive na cozinha. Gostei muito do seu texto, me fez refletir sobre as comidas que provei através das mãos habilidosas de minha mãe! Adoraria receber sua visita e opinião em meu blog: http://mariamestrecuca.wordpress.com/ Abs, Maria Sônia.