O Rio exerce uma atração tão forte sobre as pessoas que mesmo aqueles que não nasceram aqui, depois de dois dias na cidade, já se sentem carioca da gema, de fala chiada e com cinquenta anos de Lapa. Isso acontece graças à contribuição mais do que especial de seus habitantes – reparem que não falei exclusivamente dos cidadãos nascidos à sombra do Corcovado – que tratam a todos como “irmão”, “irmãozinho”, “brother”, “cumpadi”, “véio”, “maluco” e outros termos que denotam uma total intimidade instantânea. Uma intimidade que vem acompanhada pela famosa frase “Aparece lá em casa”, jamais seguida pelo endereço, ou por uma das propostas mais frequentes de “tomar um cafezinho”, sem nunca marcar a data.
Ainda no capítulo do tratamento, há que se notar que o “tu” largamente empregado por parte da população ao mesmo tempo aproxima e intimida, numa clara demonstração da malandragem que todo o habitante da cidade gosta de passar para os “de fora”. De certo que a recepção calorosa cria uma sensação de conforto para quem chega. Daí para o encantamento é um pulo, mas confesso que não entro na pilha toda dessa galera. Conservo alguma desconfiança herdada dos anos que passei em São Paulo.
Acredito que uma das primeiras lições para os recém-chegados deve ser encarar a crítica com graça e leveza. Claro, somos muito críticos, afinal a ideia é se mostrar amigo mas não perder qualquer piada. Por isso ninguém deve se espantar quando o barraqueiro da praia, no início do verão, solta uma pérola: “Com esse físico e essa cor de escritório, o amigão não vai pegar ninguém no verão!” Relaxe. Aceite que o sujeito, provavelmente, é a pessoa que te viu mais vezes quase nu (tirando sua mãe e sua cara-metade) e que, no fundo, ele deve estar com a razão.
É possível dizer que real e genuíno “carioca da gema”, isto é, aquele nascido na cidade, filho de pai e mãe carioca, está em extinção dada a quantidade imensa de pessoas “de fora” que escolheram ficar no Rio. Mas não importa a árvore genealógica, a irreverência se mantém bem viva entre os habitantes. Apesar da precariedade dos transportes públicos, uma simples viagem de ônibus pode ser impagável, basta ouvir a conversa entre motorista e cobrador, com a frase certa na hora certa, a gozação bem colocada e apelidos inventados a partir dos personagens da novela do momento. Uma corrida de taxi, então, merece um capítulo especial. Quem usa esse meio de transporte tem a oportunidade de ficar em dia até com as escapulidas matrimoniais dos políticos e dos artistas que transitam pela cidade. Isso porque a intimidade entre passageiro e motorista costuma se consolidar nos primeiros cinquenta metros da viagem.
E mesmo um tanto desgastados por uma série de eventos que paralisaram a cidade (como a Jornada Mundial da Juventude e a Copa das Confederações, por exemplo, para não falar os tradicionais revéillon e carnaval), e que empurraram os preços para a estratosfera, mesmo sem infraestrutura digna ou melhoria nos serviços, os habitantes lançarão mão de seu infinito talento para receber com simpatia, sem serem servis ou falsos, os turistas que vierem para Copa. E quando houver algum aperto – inevitável, posto que nada de novo foi feito para receber a nova leva de gente – recorrerão ao famoso jeitinho para amenizar o mau humor de quem muitas e muitas vezes se acha explorado. Enquanto mais um evento de porte mundial se avizinha, nós, os locais, observamos os descalabros soltando cínicos “Imagina na Copa!”, como se isso nos eximisse de parte da responsabilidade por escolhas infelizes feitas nas urnas – e confirmadas em outros pleitos. Na verdade, poderíamos estar repetindo a mesma frase usada por nossas avós: “Calma que o Brasil é nosso!”. Os visitantes serão bem recebidos. Simpatia e paisagem sempre teremos de sobra.