Alegria roubada

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beleza roubada

Comemoração durante a Copa de 1970: glórias passadas

 

Quando criança, como tantos outros meninos, a brincadeira favorita era futebol, futebol e para variar, futebol. No colégio só de homens onde eu estudava, esse era o único assunto. Eram tempos em que ainda não havia transmissão ao vivo, replay nem câmera lenta. A gente ia ao estádio e eu economizava mesada para comprar o Jornal dos Sports às segundas-feiras. Depois de anos de denúncias de corrupção envolvendo a FIFA, que culminaram na prisão de cartolas e na saída do presidente Joseph Blatter, é impossível dizer que a magia do jogo ainda está intocada.

Nunca vou perder a paixão pelo esporte. Nem deixarei de torcer, gritar, comemorar e chorar. Mas apesar de tudo o que o futebol significa para mim, devo confessar que ainda me lembro dos times campeões da década de 1970 e que hoje não sei dizer a escalação do meu clube. Futebol virou caso de polícia, assunto de investigações, de desconfianças. O que dizer, nos dias que correm, a um garoto (ou garota) de nove anos que sonha entrar em campo de mãos dadas com seu ídolo? Como explicar que quase tudo que ele vê é falso, uma inverdade? Como dizer que o juiz é comprado e que resultados muitas vezes são acertados fora do campo? Como saber se aquela contusão é mesmo grave ou não? O menino de joelhos ralados no campo de terra ou de asfalto que eu fui não se conforma em se transformar num adulto que percebe com desgosto que sua paixão foi desrespeitada, que tudo foi transformado em um imenso teatro movido a dezenas de milhões de dólares.

O futebol vem sendo destroçado por uma onda de corrupção que atinge todos os níveis, desde o gandula que devolve ou segura a bola na lateral até mesmo a eleição da FIFA. No final das contas, resta uma terra arrasada e para os amantes do esporte sobrou o prazer de ver quatro a seis times, uns dez ou quinze jogadores de alto nível. Em minha opinião, em outros tempos o resto não teria vaga para jogar partidas de futebol de praia no Rio de Janeiro, nem nas peladas do Aterro, ou nas várzeas do interior.

Há quem lamente que a garotada de hoje em dia prefira os jogos eletrônicos que simulam o futebol à prática do esporte. Ainda sou do tempo em que jogo virtual era com botões – organizávamos campeonatos com tabela e tudo – ou totó (ou pebolim, dependendo da região onde o leitor se encontre). Diante do lamaçal reinante, não é mais possível achar graça quando a garotada se vangloria de ter feito um gol de bicicleta com a ajuda de um controle remoto, manipulando o jogador de um país que não é o dele, de um time que não é do país de nenhum dos dois. Pelo menos, eles sabem quem está manipulando quem.

Levaram o meu futebol. Extirparam o seu prazer mais inocente. Exploraram a alegria do povo para ganhar um dinheiro alto. Pagamos todos caro por isso. Recuperar a confiança do público na autenticidade de espetáculo vai custar muito mais caro ainda. E talvez seja uma tarefa praticamente impossível.

Carlos Alberto (right), scores BrazilÕs fourth goal against Italy, beating Italian goalkeeper Albertosi, during the world Cup final in Mexico City on June 21, 1970. In centre, ItalyÕs defender Rosato. Brazil won 4-1. (AP Photo)

Defesa impossível

 

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4 comentários

  • Mariane Almeida disse:

    Verdade querido. Lembro tanto do tempo em que tínhamos craques de verdade. Como era lindo o futebol arte, eu nem entendia as regras, mas entendia quem fazia um verdadeiro balé com a bola e nós gritávamos goooooooool e ríamos e nos abraçávamos e chorávamos as vezes, mas era emoção genuína. Acho que precisamos resgatar as peladas, onde as mulheres vêm seus maridos, namorados, filhos jogando e são felizes com eles. A última esperança.

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