Cara de paisagem

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Cara de Paisagem III

Na última semana, mais um patético retrato da economia brasileira foi revelado. As contas externas até abril deste ano têm um déficit de 33,47 bilhões de dólares e em doze meses correspondem a 3,65% do PIB. Os analistas nacionais e internacionais acreditam que o Brasil terá o quarto ano consecutivo com déficit neste patamar e, mesmo com a liquidez mundial ainda frouxa, isso volta a ser preocupante caso não haja novas diretrizes para os próximos anos. Ao mesmo tempo, o governo segue dizendo que o déficit de 2014 será menor que o do ano passado, projeção em que só ele acredita.

Para se ter uma ideia, a Balança Comercial está deficitária até maio em 5,2 bilhões de dólares e os gastos de turistas brasileiros no exterior seguem batendo recordes, situando-se já no patamar de 2,4 bilhões ao mês, valor que nenhuma medida conseguiu baixar. Será que ninguém percebeu que até um par de meias por aqui custa o triplo do que em Miami? Por ora, cesta de três pontos marcada pela Standard & Poor’s, que avisou em março.

As contas públicas têm um defensor que, com certeza, será chamado para criar enredo de escola de samba quando sair da atual função. Arno Augustin, Secretário do Tesouro, é o grande homem da contabilidade criativa. As contas no primeiro quadrimestre de 2014 ficaram dentro do estimado, aliás quase exatamente, como se alguém tivesse feito os cálculos da conta da quitanda. Para chegar ao superávit de 29,7 bilhões de reais alguns fatores “novos” ocorreram. Estatais como Eletrobras, Petrobras e BNDES que tiveram lucros mais baixos em 2013 do que em 2012, contribuíram com 300% a mais em dividendos; e o INSS e o FAT (responsável pelo pagamento do seguro-desemprego) tiveram despesas nominais menores neste ano, isto é, nem a inflação atuou sobre esses números. Qual a conclusão que chegamos? Vai faltar dividendo para 2015, pois foram distribuídas reservas de capital, e as despesas do INSS e FAT foram postergadas. Esse último expediente já havia sido utilizado na virada do ano em relação a repasses de estados e municípios. Na entrevista coletiva, o representante do governo ainda afirmou que receitas “extraordinárias” de concessões, que também contribuíram positivamente, tem caráter perene. Precisa de um dicionário. Mais uma vez, cesta de três pontos para a Standard & Poor’s.

O PIB do primeiro trimestre foi pior do que um “pibinho”. Com um crescimento de 0,2% em relação ao último trimestre de 2013, demonstrou queda em tudo, com exceção da agropecuária. Nada do que foi prometido pelo governo se cumpriu. Mas o inabalável ministro Mantega declarou que a culpa foi do câmbio, da crise internacional, da seca e da inflação. Em uma grande atuação cênica, manteve a cara de paisagem quando perguntado se a inflação e o câmbio não seriam assunto de governo. As projeções para o PIB divulgadas logo após o anúncio desta última sexta-feira caíram para o intervalo entre 0,8% e 1,5%, mas o governo manteve a sua em 2,3%. E mais uma vez a Standard & Poor’s marca três pontos.

O que passa na cabeça das pessoas que dão entrevistas em nome do governo?

Realmente é uma incógnita.

Eles acreditam no que dizem? Qual a opinião deles sobre os profissionais que estão ali recolhendo informações e fazendo perguntas? O que acham dos que lerão as suas declarações em reportagens?

Fatores relevantes para as eleições são a inflação, o emprego, e os gastos sociais, e o governo está fazendo de tudo para que o problema só apareça com mais força em 2015.

Fatores fundamentais para a governabilidade são contas externas, contas públicas e crescimento, e isto “anda” mais devagar.

Assim, nos resta também fazer cara de paisagem diante de cada discurso e declaração deste governo.

***

Mais motivos para fazer cara de paisagem: Ontem, no jornal O Globo, o economista e conselheiro informal da presidente Dilma, Luiz Gonzaga Beluzzo afirma que os economistas erram muitas projeções e poderiam estar na seleção brasileira, de tanto que “chutam”. Francamente, senhor Beluzzo, suas próprias projeções nunca se concretizaram, nem se concretizarão aquelas que o senhor apresenta nessa entrevista. Mas o que permanecerá na memória de todos é a sua contribuição ao brilhante Plano Cruzado e sua igualmente brilhante campanha como presidente do Palmeiras, quando o clube acabou na segunda divisão e ficou com suas finanças em estado lastimável. Haja competência.

 

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