Mesa farta e boas lembranças

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La Mole I

Em 1958, Domenico Magliano fundou uma sorveteria e pizzaria no Leblon e batizou-a de La Mole, em homenagem à Torre Mole Antonelliana, em Turim, sua cidade natal. Em pouco tempo, se transformou em restaurante e conquistou fama nas décadas de 1960 e 1970 e se transformou em um símbolo da classe média carioca. Na casa de Magliano aconteciam almoços de sábado e domingo, comemorações diversas e jantares pós-cinema em noites agradáveis. Naquelas mesas da Dias Ferreira, vivi vários almoços de família com meus pais, meu irmão e às vezes com a companhia de meus avós paternos. As filas eram intermináveis. Quem sentava em mesa perto da calçada sofria um verdadeiro assédio por parte daqueles que queriam comer. Há quarenta anos, não havia essas coisas de ordem de chegada, senha, número de comensais. Era mesmo na base da barbárie. Quem conseguia mesa se sentava ainda com o dinheiro da gorjeta do garçom sobre a toalha de papel.

Assim, no início de 1983, não havia lugar melhor para comemorar minha primeira promoção profissional. Tinha acabado de me tornar analista de investimentos júnior, depois de “comer” muito balanço de empresa, preencher fichas com estatísticas setoriais durante um ano, e aprender a montar um relatório de investimentos. Tínhamos duas opções, uma que só valia às sextas-feiras, que era pegar o carro e ir até a filial da Barra da Tijuca. A outra era pegar o metrô, percorrer cinco estações e ir na recém-inaugurada filial da Tijuca. As duas já seguiam um modelo diferente daquele do Leblon, com instalações amplas, todas as mesas dentro do restaurante, e ar-condicionado. A matriz era um tanto acanhada.

La Mole II

No cardápio, havia três campeões de audiência: a tradicional lasanha à bolonhesa, o bife à milanesa com arroz à piemontesa (uma combinação de duas diferentes regiões da Itália) e a novidade do momento, o filé surpresa com fritas, alcatra recheada com presunto e mussarela. Era combinado que beberíamos apenas um chope, junto com o couvert, que era uma refeição a parte, e depois refrigerante. Afinal, não era recomendável voltar ao trabalho com bafo de bebida. Na sobremesa a perdição para os formigões eram as cassatas, torta Saint Honoré ou profiteroles com sorvete e calda de chocolate.

— Ao novo analista “mirim”…

Todos brindaram com o único chope do almoço e eu fiquei feliz demais. Era o que gostava de fazer, estava com amigos, o restaurante que ia com meus pais agora servia para minhas próprias comemorações. Lá eu sabia que comeria muito.

Ainda hoje existe uma verdadeira cadeia La Mole espalhada pelo Rio de Janeiro e Niterói, mas o restaurante deixou de ser aquele símbolo do passado. Os hábitos mudaram, o paladar das pessoas ficou mais exigente e comer fora se transformou em uma rotina e não em algo reservado para ocasiões especiais. A decoração permanece mais ou menos a mesma coisa, com algumas gravuras de Turim, especificamente da torre que dá nome ao restaurante, pequenas luminárias de gosto duvidoso, mas nada que comprometa o ambiente. Garanto que o couvert continua impagável. Mudaram alguns nomes no cardápio, mas as porções seguem fartas —  ainda bem —  e os preços são honestos em se tratando de Rio de Janeiro.

Sentado sozinho para um almoço um pouco mais calmo, lembrei-me daquela comemoração de tantos anos atrás e ri. Pedi o tal “único” chope. Com enorme peso no coração, abri mão da sobremesa. Mas não resisti à tentação de me render ao prato que agora é chamado de “steak surprise”, mesmo sob o risco de ficar à base de sal de frutas nos próximos dias.

 

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Sem comentários

  • Ricardo Vetere disse:

    De tantas recordações do La Mole, essa em especial me recordo muito bem. Foi um almoço comemorativo cercado de pessoas muito jovens que só queriam ver o bem das outras. O nosso tim tim está guardado até hoje na minha memória Mauro, e Deus sabe o quanto eu estava feliz por voce naquele dia.
    Obrigado por trazer lembranças felizes através dos seus textos meu amigo e irmão.
    Abração

    • maurogiorgi01 disse:

      Você sabe que devo grande parte do meu aprendizado a sua generosidade e capacidade. Esse todos os outros almoços onde conversávamos entusiasmados sobre o que fazíamos são lembranças ótimas. Abraços grandes!

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