Pedestre por opção. E você?
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Originalmente postado:
Completar dezessete anos trazia uma preocupação e uma expectativa para os meninos, e acho que deve ser a mesma coisa nos dias de hoje. Tínhamos que nos apresentar para o Serviço Militar e começava a contagem regressiva para se tirar a carteira de motorista. Superada a primeira questão, o segundo tema passava a dominar as conversas. A grande dúvida era descobrir se o pai daria permissão para dirigir o carro da família. Quando chegou a hora, lá fui eu para as aulas na autoescola, coisa que achei extremamente maçante, embora o número de horas necessárias para o exame fosse totalmente burlado. Definitivamente, eu não gostava daquilo. Havia uma pressão enorme, vinda de todos os lados, tão grande quanto aquela do vestibular. Passar no exame para motorista era uma espécie de prova de macheza.
Discutíamos o desempenho e as curvas que podiam ser feitas pelos modelos da época: Brasílias, Chevettes, Fuscas, Opalas, Corcéis, aqueles que seriam futuramente bem definidos pelo Collor como “carroças”. Lá em casa, tínhamos um Opala de quatro portas, com marcha no volante e assento inteiriço na frente. Com a carteira na mão, não me passou pela cabeça dirigi-lo, coisa que meu irmão dominava havia três anos com desenvoltura total. Eu não sentia prazer nem qualquer tipo de emoção diante do volante.
Cheguei a sair com meu pai umas duas vezes à noite, pelas ruas do Rio, sem problemas. Era como cumprir uma obrigação, sem qualquer tipo de deleite. Com impaciência, ouvia frases como “se alguém passar mal em casa, você precisa saber se virar”. Sempre bocudo, respondia na minha cabeça: “Ora, que chamem a ambulância. Eles sabem dirigir melhor e mais rápido do que eu.” Aos poucos fui me livrando da obrigação. Mesmo a contragosto, meus pais começaram a aceitar que eu não gostava de dirigir.
Nunca me senti tolhido ou limitado por não me locomover de carro. Fui favorecido pelo fato de namorar meninas que não apenas sabiam dirigir como tinham seus próprios carros, coisa ainda rara no final da década de 1970 e no início dos 1980. Não deixei de fazer nada. Até as idas aos motéis foram garantidas. Elas dirigiam.
O que muita gente acha engraçado é que, apesar de não dirigir e conhecer pouco sobre mecânica, gosto de carros e, na minha casa depois de casado,era sempre eu quem escolhia e comprava os modelos. Outro dia, uma amiga estranhou quando comentei que acordaria de madrugada para ver um treino da Fórmula 1. Se eu não dirigia, como podia gostar de carros, ainda mais de um esporte com carros. Não soube explicar direito, mas a verdade é que gosto mesmo e muito.
De volta ao Rio, depois de 28 anos em São Paulo, constatei que existem mais não-motoristas por aqui do que na capital paulistana, onde as distâncias são maiores e a população de classe média não anda de ônibus. Já os cariocas sempre andaram de ônibus e a topografia da cidade faz com que os coletivos circulem por toda parte, mesmo em ruas estreitas e nos chamados bairros nobres. E agora, depois de tanto tempo, descobri que faço parte de um grupo mais politicamente correto, por utilizar o transporte público e deixar uma pegada de C02 menor do que a da maioria.
E assim vou continuar, não-motorista por livre escolha, adepto dos transportes públicos e principalmente das caminhadas pelas ruas dessa cidade.