Direção perigosa

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Estamos às vésperas de mais uma eleição para o governo do Estado. Em algum momento da campanha, é bem provável que um ou mais candidatos resolvam aparecer num vagão de metrô ou numa estação de trem, manifestando preocupação com a situação dos transportes públicos no Rio de Janeiro. Demagogia pura, vamos combinar. No cotidiano, nunca se ouviu falar de uma “autoridade” que tenha como hábito chacoalhar regularmente dentro de ônibus ou fazer seus deslocamentos numa lata de sardinha sobre trilhos, nem mesmo os titulares das pastas de Transportes. Estamos, afinal, na terra do cachorro Juquinha, do ex-governador Sérgio Cabral com sua notória preferência pelos helicópteros para percorrer os seis quilômetros entre sua residência no Leblon e o palácio Princesa Isabel, em Laranjeiras. Por sua vez, o prefeito Eduardo Paes gosta de aparecer para fotos montado sobre uma bicicleta, prática louvável, ou então cercado de assessores dentro de um BRT para homenagear o Dia Mundial Sem Carro. Que eu saiba, porém, ele não se beneficia do bilhete único nos outros dias do ano.

Para piorar o que já é insuportável, nas últimas semanas a cidade ainda precisou suportar a eclosão de uma série de greves que não obedecem às leis estabelecidas para os serviços públicos. Grupos dissidentes do sindicato de motoristas e cobradores convocam assembleia e resolvem parar, provocando o caos nas ruas às vésperas da Copa do Mundo. A estratégia não é exatamente original; aconteceu com os garis durante o carnaval, e eles tiveram suas reivindicações atendidas. Sobra omissão por parte das autoridades. E para os usuários, resta rezar para chegar ao trabalho e voltar para casa em segurança.

Qualquer morador da cidade que não disponha de helicóptero próprio é capaz de constatar sem sombra de dúvida que o trânsito do Rio piorou consideravelmente nos últimos anos. O tema entrou para o repertório de conversas casuais, tão características dos cariocas, competindo com as exclamações sobre o clima.

— Cara, que trânsito. E piora com esse calor! (Ou chuva, dependendo da situação).

A resposta vem depressa:

— Nem me diga, tô levando o dobro do tempo entre o trabalho e minha casa.

Devemos admitir que uma das características locais é um certo “relaxamento” em relação ao cumprimento de horários. Mas a situação chegou a um ponto que ficou praticamente impossível calcular o tempo necessário para um deslocamento. Passamos a perder consultas, compromissos, reuniões, sessões de cinema e de teatro e isso tira o humor de qualquer um. Pior: já tem até paulista nos sacaneando.

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Ninguém vai negar que existem dificuldades no Rio por conta da topografia, mas a falta de investimentos em ônibus, metrô, trens suburbanos e barcas nos deixou à beira do abismo. Nos últimos quatro mandatos estaduais e municipais, não houve um esforço real dos governantes para planejar o futuro dos transportes. Ao descaso, aliou-se à facilidade para aquisição de automóveis nos últimos seis a oito anos. O resultado é um nó difícil de desatar. Além dos equipamentos velhos, dos trens depauperados e das barcas decadentes, sempre sujeitos a atrasos, e um serviço de metrô com um traçado ridículo e com capacidade muito menos que a demanda, ainda há uma combinação prá lá de perversa. Os contratos para a concessão de serviços de operacionalização dos trens de subúrbio, metrô e barcas têm gravíssimas falhas no que diz respeito a investimentos e tarifas. Contratos malfeitos para a concessão à iniciativa privada são tão ruins quanto a ineficiência da operação estatal. Mas o poder público tem a possibilidade de quebrar a cláusula de reajuste e não há regra clara para investimentos de recuperação e modernização.

Como se não bastasse, existe uma relação no mínimo duvidosa entre o poder público/legisladores municipais/donos de empresas de ônibus. Não faltam denúncias sobre a precariedade da frota, o número insuficiente de carros em determinadas regiões da cidade e sobre o nível das tarifas. Em campanha, devemos ouvir muitos candidatos bradarem: “É preciso dar um jeito!”. Uma vez eleitos, porém, a história tem sido bem diferente.

Não existem soluções a curto ou médio prazo. Se uma luz se acender na cabeça dos nossos governantes e começarem se fazer reais investimentos na melhoria da mobilidade, na qualidade dos transportes públicos, desencorajando o uso do automóvel com apenas um ocupante, a cidade ainda vai chegar ao final da década sem ter como fazer qualquer brincadeira com o trânsito paulistano.

É um processo demorado.

É preciso que cada um de nós fique alerta.

Dentro de poucos meses, teremos uma nova chance de pressionar alguém a se comprometer de fato com o enfrentamento desse problema.

É hora de escolher bem.

E cobrar.

 

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