Enganar o consumidor a respeito de ingredientes ou componentes de um produto é crime no mundo todo. E o que dizer a respeito de uma história fantasiosa a respeito de uma empresa ou de um produto? Uma invenção bem bonita, com toques de heroísmo e lirismo? Isso poderia ser considerado propaganda enganosa? Quem compra algo baseado numa história estaria sendo lesado monetariamente ou ludibriado pelo marketing?
Como já contei antes, sou apaixonado por sorvetes, apesar de estar proibido de degustá-los. Acompanho o movimento de entrada de diversas sorveterias artesanais no Brasil, como a Diletto, em atividade desde 2008, uma das primeiras a apostar contra os grandes fabricantes. Tinha tudo para dar certo: uma boa história, dinheiro, apoio importante (Jorge Paulo Lemann é um dos acionistas) e, é claro, um bom produto para ficar entre a linha artesanal e a produção de larga escala. O acionista Leandro Scabin propalava que seu avô Vittorio fazia sorvetes no vilarejo de Spadda, no Veneto, na Itália, usando uma mistura de neve e frutas frescas. Seria o autor da frase que se tornou o slogan da empresa: “La felicità è um gelatto.”
Porém na revista Exame publicada em 24 de outubro último, me deparo com uma entrevista de Scabin em que ele confessa que nada disso é verdade. Entre assustado e irritado, li uma declaração que me soou prepotente: “Acho que fomos longe demais com essa história”. E foram, o avô se chamava Antonio e não Vittorio, veio para o Brasil nos anos 1920 e cuidava dos jardins de mansões em São Paulo. Talvez até gostasse de sorvete, mas jamais pronunciou a tal frase.
Não me senti enganado em relação ao produto, que acho bom, mas me decepcionei com a declaração do publicitário Washington Olivetto na mesma reportagem. “Um bom produto precisa de uma história bem bonita”. Mesmo longe de ser santo, pois o conheço do mercado financeiro, Jorge Paulo Lemann nunca me pareceu o tipo de pessoa que concordaria com isso.
A reportagem vai além e examina outros casos. Um deles, no Brasil, me deixou espantado. O marketing dos sucos Do Bem explorava o fato da laranja ser “colhida na fazenda de “Seu” Francesco (sempre italianos, por que?), num lugar escondido que nem o Capitão Nascimento encontraria”, o que pode ser uma brincadeira, pois não existe o “Seu” Francesco, e o suco é idêntico àquele vendido no Carrefour, sem marca, bem mais barato.
Outro caso apresentado é o da marca Hollister, cuja história inventada foi a de que de um rico estudante de Yale que foi para a Indonésia durante a guerra, casou-se com uma nativa, por gostar dos produtos feitos por artesão locais, abriu uma loja vendendo roupas, negócio retomado posteriormente por seu neto, campeão de surfe. Seria lindo, se a marca não tivesse sido criada pela Abercrombie & Fitch em 2000 para oferecer produtos de qualidade inferior aos da marca principal.
O que isto tudo nos mostra? Empresários são trapaceiros? Consumidores idiotas? Não sei responder, mas me senti particularmente contrariado com a marca de sorvetes que gosto e os sucos que até já consumi, mas parei porque achei que não valia a pena pagar a mais por uma caixinha com design bonito. O suco custa uns 10% acima dos demais. E agora, como sei que o conteúdo é o mesmo dos outros, espero que o consumidor puna na lei do mercado. Sem demanda, ou baixa o preço ou some.