Minha cidade

Gosto da minha cidade quando vejo idosos se exercitando na praia. Quando escuto um “por favor” e respondem com um “obrigado”. Quando os pedestres atravessam na faixa.

Gosto da minha cidade quando o cheiro das amendoeiras anuncia o fim da primavera e o início do verão. Quando todos saúdam não apenas o pôr do sol, mas também o alvorecer. Quando brincadeiras entre desconhecidos superam o mau humor do trânsito.

Gosto da minha cidade quando o Cristo Redentor mantém sua iluminação original. Quando os cariocas são maioria nos bares, nos finais de semana. Quando o jogo do Maracanã tem mais grito de gol que de briga.

Gosto da minha cidade quando uma gripe ganha apelido de personagem de novela. Quando o ônibus respeita limite de velocidade, os cachorros latem e correm atrás de pombos.

Gosto da minha cidade quando não tem motocicleta com escapamento aberto. Quando não escuto apito de guarda de trânsito e, é claro, quando não há trânsito.

Gosto da minha cidade quando sei que alguma exposição de arte tem fila. Quando começam os ensaios técnicos das escolas de samba. Quando aparece um novo nome engraçado de bloco de rua.

Gosto da minha cidade quando chove muito e mesmo assim não há riscos para a população e o prefeito “deixa” todo mundo sair de casa. Quando tem nevoeiro e um frio extemporâneo. Quando as pessoas dizem: “Amanhã vai dar praia”.

Gosto da minha cidade quando o deboche esconde uma crítica ácida aos péssimos políticos. Quando aparece um novo modelo de biquíni e tentam esconder o que já mostram faz tempo. Quando continuam a servir pizza com uma rodela de tomate em cima e nenhum molho embaixo da mussarela.

Gosto da minha cidade quando os pesqueiros entram na baía da Guanabara se antecipando à frente fria que vai chegar. Quando o mar fica limpo depois de soprar um vento sudoeste, quando a lua surge amarela de dentro d’água.

Gosto da minha cidade sempre que noticiário não traz mortes, tráfico a luz do dia, crianças pedintes, língua negra nas praias, policiais corruptos, políticos envolvidos em desvio de dinheiro e obras atrasadas. Mas isso já seria pedir demais. É utopia. Melhor celebrar sua natureza e seus moradores.