Muito antes de começar este blog em setembro do ano passado, eu já fazia críticas à medida que reduzira as tarifas de energia elétrica para a indústria, comércio e consumidores residenciais. Em si, seria uma medida necessária, pois o custo da energia no país é elevado e reduz a competitividade, mas que nunca poderia ter sido tomada de forma atabalhoada, sem nenhum estudo, aproveitando o momento eleitoral.
O pacote de redução de tarifas de energia elétrica foi lançado às vésperas do início da campanha para eleições municipais de 2012 e entrou em vigor em janeiro de 2013. Além das óbvias intenções políticas, outras duas reclamações surgiram. O preço da energia livre naquele momento já era alto em função de uma estiagem bem menor que a atual. A presidente mais uma vez chamou seus críticos de pessimista e acusou-os de torcerem contra. Não é uma questão de torcida, é um assunto técnico. Com a queda do preço, a demanda cresceu de maneira natural, e ainda mais porque nesses últimos dezesseis meses as temperaturas têm sido mais elevadas que a média, ora na região Nordeste, ora na Sul e Sudeste. A incoerência foi tanta que, com tarifas mais baixas, as usinas termoelétricas a óleo combustível passaram 2013 ligadas o tempo todo, isto é, não havia oferta suficiente. As empresas de energia elétrica, as geradoras, tiveram as renovações de concessões antecipadas, isto é, os investimentos realizados nos últimos cinco anos, ainda em maturação, tiveram sua amortização e depreciação interrompidas, causando prejuízos às empresas pela impossibilidade de reaver tais valores pela redução de tarifas. O impacto foi tão grande que a Eletrobras apurou quase 6,0 bilhões de reais de prejuízo e iniciou um forte ajuste via redução de despesas, incluindo corte de pessoal. Um tiro no próprio pé, pois a empresa vinha contribuindo com dividendos para o Tesouro Nacional.
Ao longo de 2013, os custos das usinas termoelétricas foram se acumulando e contribuindo para a queda do superávit primário, pois o Tesouro Nacional cobriu os quatro bilhões de reais que segundo o governo começariam a ser cobrados do consumidor agora em 2014 na razão de 1/5 do custo a cada ano, pelos próximos cinco anos. Como a inflação não dá trégua, o governo postergou o início dessa cobrança para 2015 (o que vai depender de quem vencer as próximas eleições, na minha opinião).
A situação começou a ficar insustentável pela estiagem recorde e pelo mau planejamento do governo. Quanto à estiagem, não há nada a fazer, só a lamentar, e agora sim torcer e rezar. O mau planejamento pode ser exemplificado pelos parques de energia eólica, prontos mas sem linha de transmissão. Alguns diriam que pouca energia seria gerada nessa modalidade, e respondo que têm razão, mas se tudo caminhasse da maneira correta, chamaria outros investimentos. Neste momento qualquer ajuda é enorme. Existem dez usinas hidrelétricas leiloadas pelo governo, recursos arrecadados que estão no papel por dezenas de entraves burocráticos, inclusive por parte do Ibama. Ora, e as usinas termoelétricas ligadas há quinze meses? Quanto será que já poluíram?
Um dos predicados da presidente apresentado a todos em 2010, era ser grande “autoridade” no setor de energia. Diante da balbúrdia instalada, o governo se viu compelido a intervir e a anunciar medidas para não arranhar a imagem da presidente, nem deixar as tarifas subirem este ano. Os números prometidos para superávit primário por enquanto estão furados, pois a conta da energia superará os nove bilhões reservados. A saída encontrada foi confeccionar mais uma peça de ficção:
– O governo socorrerá as distribuidoras de energia com quatro bilhões de reais, que somados aos 1,2 bilhões dados em fevereiro, cria a primeira estimativa do volume a ser despendido. Estes valores são um extra aos nove bilhões de reais “escritos” na promessa de superávit de 1,9% do PIB;
– Esses recursos a mais que o Tesouro Nacional está injetando serão cobrados via impostos ainda não especificados. Fazendo uma linha de raciocínio primária destaco o seguinte: o governo tem oitenta dias corridos para colocar os impostos em vigor, pois depois teremos Copa do Mundo e, em seguida, campanha para as eleições. Portanto, as medidas amargas devem ser rápidas. Tenho minhas dúvidas, mas eles são criativos;
– Não haverá aumento de tarifa esse ano. Fica tudo para o próximo governo, um reajuste estimado de 24% dependendo da região do país. Se uma queda de 18% só permitiu que a inflação não estourasse o teto da meta, imagine o estrago que fará um reajuste mesmo escalonado. Mas se for empurrado com a barriga, está tudo certo!
– Para fechar a conta, a CCEE (Câmara de Compensação de Energia Elétrica), entidade privada sem fins lucrativos e sem ativo algum, terá a incumbência de captar oito bilhões para repassar às distribuidoras de energia elétrica. Essa captação terá que ser superior a cinco anos, pois seria o prazo mínimo para recomposição de tarifas. Não há pool de bancos privados que empreste tal montante sem garantias, e repito: não há ativo, nem lucro na CCEE. A saída brilhante deverá envolver CEF, BB ou BNDES em uma operação triangular, com o Tesouro Nacional repassando títulos públicos como garantia e os bancos emprestando os recursos. Uma manobra que salvará de maneira tosca a reputação da presidente e a inflação de 2014. Mas o futuro se afigura ruim tanto para as contas públicas quanto para a inflação.
Quem tiver memória contará a história de 2015.