Palavras da desconhecida

Desde que fui fisgado por uma bela desconhecida passei a frequentar a loja de sucos diariamente com mais uma motivação. Queria saber se a Morena recebeu a carta que escrevi para ela e se tinha deixado uma resposta. Cheguei a reproduzir a carta aqui no blog (http://mgiorgi06.wordpress.com/2013/11/12/carta-para-uma-desconhecida/) Depois de muitos dias sem que nada de novo se apresentasse, comecei a questionar se essa teria sido mesmo a melhor estratégia. Mas o que está feito, está feito. Só me restava esperar.

Num final de tarde quente desses dias de quase verão, estava me aproximando para tomar mais um copo de suco de mamão com laranja e gelo picado quando vejo o Chico de longe, acenando como um ventilador:

— Maurão, a resposta, a resposta!

Apressei o passo, atravessei a rua correndo sem olhar para os carros e me encostei no balcão.

O Chico me entregou o envelope da minha carta, aberto. Lá dentro havia uma folha de papel dobrada várias vezes.

— Lê aí enquanto eu faço seu suco.

Caro Mauro,

Com toda honestidade, ainda não posso dizer que é um prazer responder à sua carta, mas devo confessar que ela foi um afago e tanto no meu ego. Recebi o envelope das mãos do Chico, que fez de tudo para que eu me lembrasse de você. Tenho que pedir desculpas. Recordo-me vagamente de alguém com cabelo liso. Só me chamou atenção o fato de que a pessoa lia um livro do Gustavo Franco. Quem leria uma coisa dessas, ainda mais numa loja de sucos?

Suas palavras me pareceram honestas e por isso decidi dar algum crédito ao que escreveu. Agora espero que demonstre que sua escolha de leitura também faz parte daquela lista de defeitos que você mencionou. Afinal, todo mundo tem vários. Não, não vou enumerar os meus, porque não tenho a mesma capacidade para me abrir para um desconhecido. Você me pegou de surpresa e sou desconfiada demais para acreditar que sua lista de defeitos é tão pequena assim.

Por enquanto, vou me limitar a esclarecer algumas de suas especulações. Em primeiro lugar, os óculos escuros. Sim, são de grau. Costumo usá-los por dois motivos: proteção, porque olhos claros sofrem com a luz do sol, e para enxergar mesmo. Digamos que tenho alguns pares de graus de miopia, além de vista cansada. Depois dos quarenta é bem difícil de escapar da vista cansada, não é? Mas passei bem pouco dos quarenta!

Fiquei intrigada com o tal gesto que eu teria feito com o cabelo. Já ouvi dizer que sou “besta”, algo mais direto que “blasé”. Essa expressão, além de algumas coisas que o Chico andou dizendo, me fazem pensar que você deve ser uma pessoa educada demais para os dias de hoje. Quem sabe até mesmo um pouquinho antiquada. Para retribuir sua gentileza, eu o chamaria de vintage. Sem dúvida é observador, mas não repara em tudo: meu suco de abacaxi vem com gelo moído e hortelã.

Se acaso nos encontrarmos – e você terá que me dar bons motivos para que isso aconteça – decreto que o assunto “futebol” está proibido entre nós. Torço pelo Vasco, assim como toda minha família.

Soube pelo Chico que você andou me procurando. Não me encontrou mais porque eu não estava no Rio.

Não tenho muito mais a dizer e nem tem como escrever mais, porque estou respondendo aqui na loja de sucos e o Chico fica aparecendo o tempo todo e repetindo:

— Ops!!! – quase deixei escapar meu nome – Não faz o Maurão sofrer. O cara é da paz. Ele é dos nossos! – Esse daí, com certeza, você já “conquistou”.

Vamos combinar o seguinte. Tenta me achar um pouco mais. As dicas, você já tem. Acho até legal esse negócio de carta, mas prefiro o cara a cara.

É isso aí. Me acha.

Morena

— Ô Chico, mas ela não deu nenhuma deixa? Só escreveu e foi embora…

— Fica tranquilo, meu irmão. Mulher quando lê as coisas sorrindo é porque está gostando. E ela leu e escreveu sorrindo.

— Mas você sabe se ela tá de sacanagem ou se gostou mesmo?

— Ela vem aqui há uns cinco anos, sempre sozinha, sempre bonita e arrumada, mesmo de camiseta e sandália. Nunca vi dar trela pra ninguém. Você escreveu uma carta e ela gostou. Quer mais o quê?

— Tudo Chico, tudo. Quero tudo.

O jeito é voltar na loja de sucos pela manhã. Mas se ela acha que vai ser amanhã mesmo, está muito enganada. Já enchi demais a bola dela. Qual é? Uma vascaína e ainda tem a coragem de criticar minha leitura… Já me dei mal entregando tudo de bandeja. Gostei dela, é verdade; agora ela tem que gostar de mim do jeito que eu sou.

— Vou nessa, Chico. Obrigadão…

— Não vai escrever nada aí? Tá maluco? Investe, cara. Não é isso o que você sabe fazer?

— Diz que eu deixei um beijo.

— E eu lá tenho cara de leva-e-traz? Aparece e dá um beijo nela ao vivo!

— Vamos ver. Mas ainda é cedo. Fui…

E fui mesmo.