Será arte?

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empilhadeira

Por mais que eu tente, existem algumas formas de arte que não consigo compreender. Visitava o Museu de Arte do Rio (MAR) com minha filha quando nos deparamos com uma empilhadeira que parecia erguia uma cama. Olhamos para aquilo com algum assombro. De uma maneira bem carioca, pensei com meus botões que talvez o museu tivesse sido inaugurado antes da conclusão da obra. Ao observar o entorno, porém, concluí que se tratava de uma instalação e que, com toda certeza, devia ter algum significado. Fiquei quieto, pois me preocupo em não transmitir determinados preconceitos para minhas filhas.

Minha companheira de visita, porém, não demonstrou o mesmo espírito apaziguador.

— Pai, deixa isso prá lá. É mais uma dessas bobagens que alguns chamam de arte e que o resto baba sem entender nada.

Vindo de uma garota de 21 anos, CDF desde pequena, e um pouco mais radical do que deveria ser, aquilo me soou ao mesmo tempo engraçado e nada politicamente correto em relação à apreciação da arte.

Sempre vivi cercado de livros. Meus pais davam imenso valor à leitura. No apartamento de três quartos onde morávamos, um deles era exclusivamente para estudar e ouvir música, com uma estante imensa. No quarto que dividia com meu irmão, havia outra estante. Lembro-me do dia em que a enciclopédia Delta Larrousse chegou lá em casa e meu pai anunciou, de modo solene, que aquele era um presente para todos. Com doze anos, saí em busca dos jogadores de futebol que eu adorava, principalmente os estrangeiros. Sempre busquei cultivar a paixão pela leitura nas minhas filhas e consegui. Desde os de plástico com figuras coloridas, aos de pano com historietas, até os volumes maiores, as meninas se acostumaram a encarar os livros como um presente, algo legal e importante.

A apreciação da arte também fez parte do cotidiano da minha família, graças a minha mãe, professora de história da arte no Museu Histórico Nacional, uma especialista em prata inglesa e portuguesa além de profunda conhecedora de tapetes orientais. De um modo delicado e interessante, ela incentivou a sensibilidade dos filhos para o assunto, e cada um desenvolveu, à sua maneira, seus próprios gostos.

Com minhas filhas procurei fazer a mesma coisa. Começamos a frequentar museus e exposições assim que chegaram à idade adequada, sempre respeitando a opção de lazer delas, mas mostrando a importância de estar em contato com a arte. E que esse contato também podia ser divertido.

Rosa e Azul - Auguste RENOIR (1841-1919)

A mais velha sempre demonstrou mais interesse pelos museus e pelos clássicos, principalmente pelo acervo do MASP. A caçula gosta de ouvir a história da obra que examina e os por quês que ela esconde. Com seis anos, encantou-se com a exposição do Botero.

Na primeira vez em que fomos a um museu e ouvi uma das duas dizerem algo do tipo “isso eu também faço”, saí-me com uma resposta inspirada pelos ensinamentos maternos e pelas aulas do professor Anildo, de Cultura Clássica, no São Bento:

— Você pode até copiar, mas a ideia foi do artista e é isso que conta. Gostar ou não gostar já é outra coisa.

Depois da separação, a cada mês eu escolhia dedicar uma manhã ou tarde do fim de semana para uma exposição, qualquer que fosse: fotografias da São Paulo antiga, artistas estrangeiros na Fiesp, Museu da Imagem de do Som, Arte Moderna, e até o Museu do Futebol, onde nos divertimos com os uniformes antigos e os dribles do Pelé e do Garrincha. Sentia dentro de mim que transmitia algo que me fora passado antes e sentia imensa alegria e satisfação de imaginar que se minha mãe visse aquelas cenas talvez ficasse feliz.

Com a idade, mais leitura e aquilo que o colégio e a faculdade acrescentam, ambas ficaram ainda mais próximas de entender arte como uma manifestação individual ou de um grupo em um determinado período do tempo.

No MAR, diante da instalação da empilhadeira, busquei na memória as palavras de minha mãe. Afinal, não poderia deixar que minha filha saísse do museu com aquelas ideias preconceituosas, ou pior, levando tais noções consigo para o resto da vida. Cada momento de um país ou de uma época deve ser registrada por alguém e isso não precisa necessariamente ser do agrado de todos. A imaginação e o olhar do artista sempre devem ser levados em consideração, mesmo quando provocam nosso estranhamento.

Só obtive alguma aprovação quando evoquei a nonna, lembrando que eram palavras que ela costumava dizer.

Lá no fundo eu pensava:

Mamma, que falta você faz para explicar essas coisas que estou tentando passar!

Pois acho que apesar de todo meu esforço bem-intencionado, a explicação não merecia uma nota superior a seis. Bem regular.

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